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A Criança Pesadelo
2004...
Muita coisa os havia levado aquela noite após dois dias passados desde a inacreditável comoção do enterro do jornalista. Padre Mariano Díaz sabia a verdadeira causa da morte embora muita gente andasse dizendo coisas sobre, chegando até mesmo a achar que tinha sido coisa do governo. Se bem que Cristina Kirchner era mesmo uma cria do Lúcifer, no ponto de vista do religioso. Deus que o perdoasse por dizer tal coisa.
- Vamos fazer isso rápido, está bem? – o acompanhante do padre disse apavorado.
- Gregorio, fica calmo, ok? Temos toda a noite. Ele não vai despertar hoje porque não é assim que as crias da Criança Pesadelo agem – respondeu Mariano, que com a ajuda do assistente, tinha acabado de colocar o caixão sobre a mesa da velha casa do zelador, que há muito se encontrava desocupada. Além disso, tinha dado uma quantia interessante para o coveiro poder ajudá-los e mais um pouco para deixa-lo de bico fechado.
A tampa foi aberta com cuidado. A visão do célebre cadáver causou reações muito ruins tanto no padre quanto em Gregorio: veias roxas em volta dos olhos e um tom semiazulado na pele indicavam que algo muito errado havia acontecido com ele. Horrível era dizer o mínimo. Estavam convictos de que aquilo era obra da Criança Pesadelo. Por fim, retiraram o morto do caixão e o colocaram sobre outra mesa.
O que, afinal, era a Criança Pesadelo? Na realidade, ninguém sabia ao certo. Só tinham a ciência de que ela (ou ele, não se sabia) era parte de algo muito maior, que desejava invadir o mundo. Algo que os estudiosos vampiros denominavam de “Anti Criação”. Era só a criatura estar por perto que qualquer um se sentia mal, sem conseguir sequer respirar direito. Claro que os que ficavam assim não entendiam o motivo do mal estar repentino embora ele começasse sempre que uma menina muito pálida, de vestido rosa e laços azuis no cabelo aparecia sem que ninguém soubesse de onde ela veio.
- Passa a estaca e o martelo para o meu lado. Você lê a oração enquanto eu acabo de vez com essa palhaçada – disse o padre com uma linguagem no mínimo incomum para um religioso.
A estaca em questão era feita de ferro temperado, pois essa era a única arma que podia parar as crias da Criança Pesadelo e a própria criatura se a mesma fosse facilmente encontrável. “Droga de criatura vinda sabe Deus de onde”, pensava o padre enquanto retirava cuidadosamente a parte de cima da roupa do cadáver, pois a família dele não podia suspeitar de nada caso um dia mandasse exumar o cadáver. Logo depois de constatar que tudo estava seguro, ele posicionou a estaca sobre o coração do morto-vivo e pegou o martelo...
- Leia a primeira parte da oração.
- Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Em nome de S. Bartolomeu, de Santo Agostinho, de S. Caetano, de S. André Avelino, eu te arrenego, anjo mau, que pretendes introduzir-te em mim e perverter-me. Pelo poder da cruz de Cristo, pelo poder de suas divinas chagas, eu te esconjuro maldito, para que não possas tentar a minha alma sossegada. Amém – Gregorio leu firmemente o pergaminho antigo que havia trazido consigo.
A batida do martelo foi seguida por um grito do mais puro horror saído da boca da criatura, cujas presas apavoraram o padre e seu assistente. Outro berro se fez com mais uma pancada enquanto o sangue aumentava de quantidade no peito do aberrante que um dia havia sido famoso. O padre disse ao perceber que a coisa persistia:
- Lê a segunda parte.
- Imortal, eterno, inefável e santo Pai de todas as coisas, que de carro rodante caminhas sem cessar por esses mundos que giram sempre na imensidade do espaço dominador dos vastos e imensos campos do éter; onde ergueste o teu poderoso trono, que desprende luz e luz, e de cima do qual teus tremendos olhos descobrem tudo e teus largos ouvidos tudo ouvem! Protege os filhos que amaste desde o nascimento dos séculos porque longa e eterna é a sua duração. Tua majestade resplandece acima do mundo e do céu das estrelas! Tu te elevas a ti mesmo pelo próprio resplendor, saindo da tua essência correntes inesgotáveis de luz, que alimentam teu espírito infinito! Este espírito infinito produz todas as coisas e constitui esse tesouro imorredouro de matéria que não pode faltar à geração que ela rodeia sempre pelas mil formas de que se acha cercado, e com a qual se revestiste e encheste deste o começo. Deste espírito tiram também sua origem esses santíssimos reis que se acham de pé ao redor do seu trono e que compõe sua corte, ó Pai universal! Ó único Pai dos bem aventurados mortais e imortais! Tu tens, em particular poderes que são maravilhosamente iguais ao teu eterno pensamento aos anjos, que anunciam ao mundo tuas vontades. Finalmente tu criastes mais uma terceira ordem de elementos. A nossa prática de todos os dias é saudar-Te e adorar tuas vontades. Ardemos em desejo de possuir-Te! Ó Pai! Mãe! Terna Mãe, a mais terna Mãe, a mais terna de todas as mães! Ó filho, o mais carinhoso dos filhos. Ó formas de todas as formas! Alma, espírito, harmonia, nomes e números de todas as coisas, conserva-nos e se nos propício. Amém! – o assistente colocou mais força na leitura no que padre Mariano, ao término da mesma, deu uma última e mais intensa martelada sobre o coração do vampiro, que soltou um último e horrendo berro de dor antes que sua aparência voltasse à normalidade da morte definitiva.
- Acabou, graças a Deus – disse ele observando o cadáver com uma estaca de ferro temperado atravessada no peito.
- Padre, é melhor nós irmos logo com isso. Se a Criança Pesadelo souber que a cria dela morreu ainda hoje, nós teremos problemas – Gregorio pegava um punhado de alho de uma sacola e uma serra que estava na bolsa de couro que os dois traziam.
- Caso aquela coisa queira acabar conosco, não vai saber o que a espera – disse o religioso pegando de dentro da mesma bolsa uma arma cujas balas eram feitas do mesmo material da estaca.
O assistente nada disse e logo tratou de destacar a parte de cima da estaca de ferro usando um maçarico que havia trazido em uma sacola de vime no que ele deixou uma pequena parte acima do peito. Feita aquela parte, pegou vários dentes de alho e colocou na boca do cadáver. Por alguns minutos observou o sinistro trabalho, quase morrendo de pena do morto, que ele, com muito desgosto, decapitou usando a serra.
- Como sempre, excelente trabalho, Gregorio – disse o padre satisfeito enquanto o auxiliar limpava cuidadosamente todo o sangue que havia sido ali derramado para não deixar nenhum rastro suspeito.
- Eu te agradeço, mas não é como se pudesse me vangloriar disso – disse o jovem tristemente para depois limpar uma lágrima e falar: - É difícil imaginar que um cara como ele morreu desse jeito. Eu o adorava.
- Sei disso porque você não perdia um programa ou trabalho que ele fazia, mas pense que agora a alma dele está junto de Deus. Ele era uma boa pessoa e não mereceria ser transformado em uma coisa assassina e desalmada – respondeu o padre, confortando o jovem que considerava seu “filho adotivo”, mesmo que ele nunca tivesse oficializado a adoção do menino.
Por fim, os dois reaprontaram o cadáver e levaram seu caixão de volta ao túmulo, onde o coveiro o enterrou após o padre encomendar a alma do jornalista pela segunda vez. O religioso jurou, ainda que fosse pecado, e por tudo o que lhe era mais sagrado, que a Criança Pesadelo pagaria muito caro.
Espero que apreciem bastante. Aceito comentários e sugestões, .
Padre Mariano Díaz: – Um Caçador. Padre ordenado da Companhia de Jesus com um passado nebuloso envolvendo consumo e tráfico de drogas. Encontrou sua vocação ao perder um amigo morto por traficantes e desde então, se dedica a ajudar viciados, prostitutas, mães e pais solteiros e crianças abandonadas que atende em sua paróquia, aberta 24 horas. Também caça demônios e monstros, sendo parte do Círculo do Escudo, uma organização encarregada de eliminar ameaças sobrenaturais. Exímio atirador tanto com armas de fogo quanto bestas de flechas, não tem medo de encarar o pior dos perigos em nome de salvar a humanidade.