De vampiros portenhos e sonhos escabrosos - 22º conto:

Venha bater aquele papo furado. Área típica para flood.
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Lady Carmilla DWFan
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De vampiros portenhos e sonhos escabrosos - 22º conto:

Mensagem por Lady Carmilla DWFan »

Novamente velho conhecido nosso aparecendo e mais dois personagens históricos aparecendo em participação pessoal, :D . E claro, mais um citado. Vamos ver se vocês adivinham quem são, :mrgreen: . E claro, quero ver quem irá apreciar mais esse conto.


La noche de los escalofríos


- Não é justo, Alice, ele era um anjo de pessoa e cantava tão bem. Tem tanta gente pior no mundo que podia ter ido no lugar dele – Matilde balançava os pés furiosamente.
- Faz um ano e quase um mês que Don Magaldi se foi. Você já devia ter parado de chorar sempre que o ouve cantar – sua amiga disse-lhe enquanto tricotava um cachecol para o padrinho e logo parou para falar: - Ele tinha problemas hepáticos sérios. E mesmo ele sendo um entusiasta dos esportes, não ajudou que ele fumava. Você deveria saber.
A jovem de quinze anos recém-feitos se vira, desde o ano passado, descobrindo sobre a vida ser um mero sopro. Razão pela qual havia se tornado bem mais observadora embora ela já o fosse desde criança. Tudo podia acabar a qualquer momento. Arrependimentos surgiriam na hora extrema. Talvez muitas pessoas fossem embora muito infelizes por não terem feito o que gostariam com a vida.
Ela não compreendia, desde menina, porque sempre era obrigada a vestir-se com frufrus e outras babaquices que a deixavam parecendo boneca de mostruário. Porque meninas não podiam fazer coisas de meninos se tinham perfeita capacidade para tal? Qual era o problema em querer estudar para entrar na universidade? Não era como se não pudesse. Ficava chateada ouvindo amigas de sua mãe dizendo a ela para preocupar-se em fazer Matilde ser boa moça. Aquelas ditas achavam-na muito rebelde para uma menina de boa família.
Ah, por favor! Se ser boa moça significava baixar a cabeça para tudo o que os outros diziam e não poder viver a própria vida, então ela não queria. Odiava ser aquele tipo de “boa moça”. Uma verdadeira “boa moça” tinha de ser honesta e não ter medo de encarar o perigo. Queria conhecer o mundo, saber de tudo, viver livre. No momento, porém, ela tinha apenas quinze anos. Isso, no entanto, não a impedia de ser curiosa e até mesmo arriscar-se em vestir-se de menino para interagir com os rapazotes pobres que vendiam jornais nas proximidades do cemitério da Chacarita.
“Los irregulares de la Chacarita” a conheciam como Marcos Alonso, um menino recém-chegado do interior vivendo com uma tia sovina e por isso sendo obrigado a vender jornais para ter mais algum dinheiro.
- Matilde? – Alice cutucou-a quando notou sua amiga muito aérea.
- Desculpa – disse a menina sorrindo constrangida e perguntando: - Lembra daquilo que te contei dos meus quinze anos?
- Como não lembrar? Você fala disso sempre que conversamos desde quando passou a festa – bufou a amiga. No fundo, porém, Alice temia que o “príncipe dos quinze anos” talvez não fosse um fantasma temporariamente corpóreo.
- Eu sei, mas, você não acha estranho que um fantasma tenha dançado comigo? Até onde sei, fantasmas atravessam objetos sólidos. A não ser que... Não, isso não tem como existir. Ou tem? – Matilde juntou as mãos em assustada expectativa.
- No que você está pensando? – Alice Abbey-Norrington notou a expressão claramente meditativa da melhor amiga. E percebeu que muito provavelmente ela inventaria alguma teoria maluca.
- E se o Agustín Magaldi for um daqueles seres esquisitos que usam capa e mordem mocinhas? – a resposta deixou a amiga do tricô tão espantada que ela quase derrubou as agulhas e linhas: - Sério mesmo que você pensou nisso?!
- Pode parecer idiota, mas, é uma explicação possível. Porque fantasmas não se vestem de preto e muito menos com capa e luvas de pelica – disse a jovem pensativa.
- E de onde você tirou essa teoria? – Alice não imaginava como Matilde teria pensado em semelhante coisa.
- De uma revista importada que o Carlos costuma comprar com frequência mensal. Apesar do meu inglês ainda muito falho, consegui ler a matéria que falava disso. Foi interessante apesar de o meu mordomo ter comentado quando leu que a matéria parecia demasiado fantasiosa comparada com o que ele conhecia – respondeu a menina Olmos y Piñedo explicando em seguida sobre ter ouvido Carlos dizer tal coisa enquanto cozinhava na mesma noite.
Alice repentinamente mostrou interesse no tópico: - Como assim?
- Olha, eu não sei. Achei muito estranho ouvi-lo falar daquela maneira. Não perguntei por não querer parecer que estava ouvindo atrás das portas, mas fiquei muito cismada com isso – respondeu a adolescente para depois dar uma boa observada na amiga: - Por que o interesse?
- Porque só recentemente notei algo: o Carlos não parece ter um passado, se é que você me entende – a menina tinha parado com o tricô.
- Eu também notei, mas ele é tão bom conosco que perguntar pareceria ofensivo. Tudo o que sei dele é que começou a trabalhar com meus avós há mais de trinta anos, quando chegou do Leste Europeu. Até onde sei, Carlos não é o nome de nascimento dele e ele é húngaro assim como o jardineiro corcunda que trabalhava conosco até o ano passado – Matilde respondeu calmamente. Ela sabia, mesmo criando possibilidades sobre Magaldi, o quão estranho era o padrinho de sua amiga, por ele cuidada desde ela ter nove anos.
O senhor Valdelomar definitivamente era o mais estranho convidado de sua “fiesta quinceañera” ocorrida em oito de setembro. Era passado de 1,70 m. Peruano de olhos escuros meio esmaecidos. Os cabelos eram pretos, cuidadosamente repartidos ao meio. Não era muito magro embora nada tivesse de quilos a mais. As unhas eram grandes demais para um homem e cortadas em ponta. Vestia-se quase todo de negro, cor que reforçava a sua já clara pele. E o sorriso decididamente não ajudava a torná-lo mais normal. Matilde assustara-se quando ele sorriu ao cumprimentá-la, pois nunca tinha visto nada como aquilo: os incisivos não se pareciam em nada com quaisquer dentes que vira antes. Eram incomumente pontudos.
Sentiu um esquisito arrepio ao ouvir a campainha tocando. Sabia quem era. O padrinho da amiga sempre vinha buscá-la quando a noite chegava. As amigas chegaram à sala quando Carlos abrira a porta...
- Boa noite, meninas. Matilde, despeça-se de Alice, é hora dela ir.
O visitante cumprimentou e logo perguntou sorrindo daquela mesma maneira assustadora: - Sua mãe está, Matilde?
- Mamãe está descansando. Outra crise de enxaqueca – respondeu a menina suspirando.
- Melhoras a ela, pequena. Agora vamos, Alice? – Valdelomar ofereceu o braço à afilhada, que assentiu após despedir-se da amiga.
Enfim, estavam apenas Carlos e sua jovem patroa na sala. A menina perguntou: - A mamãe vai melhorar logo?
- Você já sabe que não sei dizer, menina. As crises variam muito – respondeu Carlos calmamente para depois olhá-la um tanto sério: - A senhorita sabe que mexer nas coisas dos outros é falta de educação?
Matilde fingiu nada entender, porém, o “serviçal-amigo” disse-lhe: - Não se faça de ingênua, eu sei que foi você.
- Me desculpa, Carlos, mas achei aquela revista muito interessante para ignorar, ainda mais depois... dos meus quinze anos – a menina de repente se viu tremendo.
- Sei a que se refere, jovem patroa. Sua mãe me disse do ocorrido após sua festa, quando convidou o senhor Noda e a senhora Maizani para o jantar – suspirou o mordomo para depois dizer: - Você não deveria tê-lo deixado entrar.
- O que quer dizer com isso? – Matilde de repente sentiu uma opressora atmosfera tomar conta da sala.
- Imagino que você leu com atenção a matéria da capa falando sobre os filmes de vampiros, sim? – Carlos tinha quase certeza sobre a fértil imaginação dela ter criado fortes teorias sobre aquela noite.
- Apesar do meu inglês “un tanto malo”, sim – respondeu ela sem muita vontade de continuar aquele assunto porque não queria o mordomo descobrindo sobre ela tê-lo ouvido.
- Portanto você está supondo que aquele fantasma poderia ser um... vampiro? – Carlos sorriu levemente gracioso.
A jovem quase riu apesar do momento inadequado, pois seu mordomo realmente a conhecia bem. Assentiu agora assustada ao passo que ele disse: - Pois você está certa.
- Carlos, como assim? Não pode ser! Quem ousaria transformar um anjo como ele em um mordedor de senhoritas?! – exclamou a moça exasperada.
- Matilde, os vampiros não mordem apenas mocinhas. Qualquer pessoa para eles é alimento em potencial. Alguns matam, outros só enfraquecem – respondeu ele tão absurdamente sério que a jovem se viu incapaz de contra argumentar.
Ela, porém, disse temerosa: - Por que... isso aconteceu? Como?
- Não sei dizer, apenas sei ter ocorrido. Os Caçadores geralmente têm esse tipo de percepção. A energia dos vampiros é muito forte – disse ele para em seguida explicar à jovem patroa sobre ter nascido com um dom que o permitia detectar criaturas diferentes dos humanos que os mesmos comumente denominavam “monstros”.
- Monstros são aquelas “amigas” da mamãe! – exclamou a menina exaltada para depois se acalmar e dizer: - Acho que isso explica porque você não parece tão velho embora você seja.
- Caçadores não envelhecem rápido quando usam seus poderes e muitas vezes podem ultrapassar a expectativa de vida normal de um ser humano. No entanto, não vou negar que uma vida longa demais pode ser incrivelmente solitária. Deixei família e amigos quando saí da Hungria, quarenta anos antes – Carlos sentou-se um tanto displicente em uma das poltronas.
- O que aconteceu para o senhor ir embora da sua terra? – a menina via-se curiosa.
- Matei um vampiro particularmente poderoso depois de um bem feito planejamento. Entretanto, fui descoberto. Me vi obrigado a fugir junto do meu colega e amigo Juan Pablo, o corcunda que era jardineiro. Desde então, estamos aqui – respondeu ele ao que Matilde iria perguntar mais quando Carlos levantou-se de um pulo e foi até a cozinha.
A adolescente o seguiu e estacou na porta ao ver uma cena particularmente terrível aos seus olhos ainda inocentes: um vampiro vomitando sangue fartamente no chão da cozinha. Hemoptises horrendas e negras...
- Quantas vezes eu já disse para você esperar eu te levar a poção?! Olha a sujeira que você fez na cozinha da minha patroa! – exclamou o mordomo horrorizado com a quantidade de vômito sangrento no chão. E o sangue fedia a carniça podre.
- Sei disso, mas, não aguento mais. Os acessos estão piorando. A dor nos meus pulmões chega a queimar – respondeu ele aos prantos segurando contra a boca sangrenta um lenço imundo até os limites.
A menina Olmos y Piñedo aproximou-se vagarosamente. Ela podia jurar tê-lo visto anteriormente. Nos livros...
- Carlos, você sabe quem ele é?
- Sim, eu sei. E isto ocorrendo a ele é consequência de seus atos horríveis em vida. Uma bruxa, possivelmente a louca da Felicia Morresi, o amaldiçoou com um “Eterno Castigo Imperdoável” quando ele levantou-se do túmulo após ser transformado por um Antigo chamado Piotr – respondeu ele duramente enquanto o vampiro chorava encolhido no chão. Talvez por arrependimento, quem sabe por dor. Quiçá ambos.
- E não tem como reverter? Além disso, como sabe? – a moça não acreditava que estava conhecendo pessoalmente um dos presidentes anteriores da Argentina.
- A não ser que ele se arrependa de seus feitos maldosos, isso jamais terá reversão. Se bem que, neste caso, esse tipo de coisa talvez não tenha volta mesmo ele se arrependendo – respondeu o serviçal para depois dizer-lhe: - Além de Caçador, sou Bruxo. Um dos poucos homens possuidor de dons mágicos. A esmagadora maioria de usuários de magia é composta por mulheres.
Matilde sorriu ao ouvir aquilo. Talvez fosse maravilhoso ser bruxa. Logo, porém, entristeceu-se. Não achava correto alguém fazer tal maldade. Quase morria de pena do vampiro ali atirado tal como um farrapo de pano. Apesar de um tanto mais novo do que a idade em que morrera, ele era horrivelmente pálido e decadente. Os olhos tristemente saltados e o rosto quase encovado mostravam um sofrimento nunca findo. O cabelo quase não tinha cor embora fosse escuro e os lábios eram secos como folhas no outono. As mãos, trêmulas e magras, quase não sustentavam o lenço horrivelmente sujo. Os colmilhos se destacavam nos lábios ressecados.
O húngaro logo pegou, dentro de um armário secreto, ocultado atrás da despensa, um vidro contendo líquido parecido com petróleo e vagarosamente deu-o ao vampiro ali caído. A criatura, ao receber os primeiros goles da poção, começou a se restabelecer, ficando com uma aparência bem melhor alguns minutos depois de beber os primeiros goles...
- Gracias, Carlos.
- De nada, Roca – respondeu ele em seguida ajudando-o a ficar em pé: - No entanto, não quero vê-lo aqui novamente. Eu irei até você quando for necessário. Caso precise da poção de novo, mande algum de seus amigos corvos a me avisar.
- Corvos? – Matilde finalmente dizia algo no meio do inacreditável espanto agora ampliado.
- Eles são meus únicos amigos depois dos animais abandonados que cuido na minha casa. Faz muito tempo que não sei o significado de ter um amigo capaz de me ouvir e diminuir a minha dor. Apenas os animais querem me ouvir – respondeu ele com tal tristeza que a jovem de quinze anos teve sincera vontade de ser amiga dele.
Carlos, porém, interveio, percebendo a comoção da menina: - Se depender de mim, perto dele você não chega.
- Alguém capaz de cuidar animais abandonados e provavelmente maltratados não pode ser má pessoa – disse ela apesar de ter perfeito conhecimento dele não ter sido bom em vida.
O mordomo tentou contra argumentar, mas não pôde, pois sabia bem de Roca ser conhecido entre o pessoal de Villa Crespo como um esquisito cuidador que apenas à noite era visto. Entretanto, a despeito desse estranho aspecto, a vizinhança não incomodava. Não raras vezes levavam a ele animais feridos ou abandonados nas proximidades. E eles eram bem cuidados e alimentados, algumas vezes sendo dados para adoção. Tanto era desse modo que os vizinhos às vezes viam os bichinhos cercando seu cuidador quando ele sentava-se fora da casa a ler um livro. Alguns roçavam suas peludas cabecinhas nas pernas dele e ele retribuía com delicados afagos. E conversava com eles como se fossem gente.
O vampiro viu-se novamente emocionado, afinal, alguém o compreendia. A jovem sorriu. Carlos, por sua vez, disse sem piedade: - Mesmo assim, isso não diminui em nada o que você fez errado. Terá de carregar esse fardo por toda a eternidade.
- Não é como se eu desconhecesse tal coisa – respondeu ele triste.
- Carlos, não seja maldoso – Matilde quase chorou.
- Vou dizer uma coisa, menina: todos nós pagamos por nossas escolhas. Isso é uma coisa que você terá de aprender antes de ser adulta. Se elas são más, é justificável, porém, se são boas, é porque os outros acham melhor você corresponder ao desejado por eles e se você não o faz por querer ser diferente, é muito pior – o mordomo olhou diretamente naqueles olhos que de repente pareciam perder a inocência infantil para dar lugar a uma quase maturidade adulta...
- Eu não me importo com isso. Não vou corresponder aos outros só porque eles querem. Se tiver que sofrer por isso, aceito. Afinal, você fez o que achou certo, não? Então porque eu não posso?
- Você não está errada, Matilde. O problema é que quase ninguém vai te apoiar. E muitas vezes você terá que fazer tudo sozinha. Sonhar costuma custar caro. Que o digam aqueles manifestantes daquele ano quando o delegado era o desgraçado do Falcón. Perdi pelo menos cinco amigos naqueles dias. Nunca perdoarei aquele maldito por isso. Desejo ardentemente que ele esteja no inferno! – Carlos estava perto de socar algo quando disse aquelas últimas palavras.
- Eu sei. Um dos meus professores o odeia incondicionalmente – disse ela ao que Roca os olhou intensamente, como se algo entalasse na garganta. Carlos deu-lhe o vidro indicando que terminasse de bebê-lo.
Ao terminar a poção, o vampiro disse: - Eu já vou. E você é uma menina muito corajosa, Matilde. Sinceramente, desejo que seja feliz.
- Obrigada, senhor Roca. Espero que você também encontre a felicidade – ela deu-lhe o lenço que sempre carregava consigo: - Você vai precisar.
Ele aceitou comovido. Quando enfim a jovem e o mordomo estavam sozinhos, o mesmo voltou ao armário e de lá pegou um vidro contendo um líquido azul meio transparente. Abriu-o e derramou metade do conteúdo na parte onde o sangue ainda exalava um podre odor de decadência. O chão logo deixou de apresentar qualquer sujeira ou mau cheiro. A adolescente surpreendeu-se...
- Como é que se aprende a fazer isso?
- As bruxas veteranas enviam suas subordinadas para ensinar os bruxos que começam a descobrir seus poderes ainda na infância, mas nem mesmo elas sabem como adquiriram a magia. Ainda é um mistério sobre como a magia foi neste mundo plantada embora as veteranas consigam detectar os nascidos mágicos – respondeu ele.
- E não há poção que possa fazer parar com essas dores de cabeça da mamãe? – a jovem logo pensou na mãe naquele momento deitada em seu quarto, possivelmente escondendo os gemidos de dor abaixo de algum travesseiro.
- Existe, mas é difícil de fazer – respondeu ele receoso de Matilde descobrir o que realmente ocorria com Margarita, naquele instante mortalmente parada enquanto sua cabeça ainda doía horrivelmente.
A bela viúva tentou segurar um gemido de dor, porém, viu-se incapaz disso. De repente, no entanto, viu-se sorrindo...
- Você veio me ver, afinal, Agustín.
- Vim atender a um pedido da Matilde. Ela reza muito para suas dores de cabeça pararem – respondeu o vampiro ali presente.
- Se ela soubesse a verdade... – ela dizia quando foi interrompida por uma mão levemente aquecida sobre a sua: - Ela não precisa. Eu vou te ajudar e você não vai precisar deixá-la aflita.
Margarita viu-se de repente sentada sobre a cama e envolta nos braços de seu antigo amor. Decididamente era o mais lindo momento que até então já vivera. Nada disse quando Magaldi colocou em seus lábios uma garrafa contendo um líquido levemente escurecido e vagarosamente a esvaziou em direção à garganta da viúva. Terminou o vidro no exato momento em que Carlos e Matilde entraram no quarto para ver como ela estava...
- O que pensa estar fazendo?! – exclamou o mordomo exasperado e rapidamente indo examinar a patroa enquanto o vampiro, já afastado da cama, permaneceu ali parado, agora em pé, sem nada dizer, pois sua consciência estava tranquila. A menina, por sua vez, assustou-se ao revê-lo. Aproximou-se temerosa de ver a mãe ferida, mas aliviou-se ao percebê-la sem danos, porém, questionou: - O que fez com a mamãe se não a mordeu?
O europeu surpreendeu-se ao não notar nenhuma marca de mordida na patroa: - Não entendo.
- Que tipo de ídolo eu seria se não ajudasse uma fã? – Magaldi respondeu ternamente e a jovem logo compreendeu, soltando lágrimas de felicidade. Sorriu e correu a abraçá-lo sem ser impedida por um Carlos ainda estupefato...
- Você tirou de seu próprio sangue para...? Não posso acreditar.
- Sim – mentiu ele tendo a certeza de que revelar a verdadeira dona do sangue seria total imprudência e em seguida dizendo: - Eu soube que... ela já estava doente quando voltou do Uruguai.
- Como assim doente, Don Magaldi? – Matilde não compreendia enquanto Carlos duramente o censurou com o olhar, porém, de nada mais adiantava esconder a verdade.
- Permita-me explicar, jovem patroa: sua mãe voltou conosco do Uruguai há dois anos não apenas porque ela simplesmente queria voltar à sua terra natal, mas porque aqui ela tinha amigos em quem confiava para me ajudar a cuidar de você caso ela viesse a faltar. Margarita foi diagnosticada com um tumor cerebral e foi desenganada pelo médico, que lhe deu pelo menos quatro anos a mais de vida contando de alguns dias antes de nossa mudança para a Argentina. No entanto, nos últimos tempos, o tumor começou a ficar realmente agressivo, sendo o causador das crises da sua mãe. Ela, no entanto, me fez prometer que eu não te contaria – disse o empregado com tristeza.
- Mamãe não me queria sofrendo por antecipação – suspirou a menina.
- Margarita sempre foi uma mulher corajosa e pragmática. Decerto ela nomeou Carlos como seu tutor caso ela falecesse antes de você ter vinte e um anos porque ela sabe que os familiares do seu pai iriam se aproveitar disso já que a maioria deles nunca aceitou o casamento dos seus pais por ela ter vindo “de baixo” – disse o vampiro enquanto a viúva apenas ouvia agora sentada e sentindo-se bem como nunca.
- Por mais apreço que eu tenha pelos Olmos y Piñedo, a maior parte da família infelizmente sofre do mal da soberba. Acham que só porque são ricos, têm o direito de se acharem os donos do mundo – o mordomo tristemente suspirou.
- Toda a vizinhança tem esse vírus – disse Matilde enfezada.
Carlos e Agustín acabaram rindo e Margarita os seguiu para dizer em seguida: - Definitivamente, ela tem o jeito do pai. Em maior parte graças aos conselhos do nosso amigo mordomo.
- Apenas fiz meu dever como pai, pois não tive filhos embora os desejasse e seu sogro não era um pai exatamente exemplar, infelizmente – suspirou o homem com profunda tristeza ao recordar-se do último pedido de seu patrão: tornar Rogelio e José Mariano melhores em caráter do que ele havia sido em vida.
- Meu avô não era boa gente? – a adolescente espantava-se ouvindo aquilo, pois a mãe nunca falava da família de seu pai.
- Vamos dizer da seguinte forma: seu avô foi um homem daquela época. Alguém profundamente obtuso. Incapaz, devido à sua criação patriarcal, de perceber, ou querer ver, o bom potencial das pessoas. Incluindo o da sua avó, atualmente uma mulher amargurada e sozinha que jamais suportou as escapadas do marido, a perda de seu tio e menos ainda que o filho mais velho casou-se com uma mulher “sem classe” – respondeu ele tentando resumir a complicada história que a humanidade há séculos atravessava.
- E não tem jeito de mudar a minha avó? – a menina chorou.
- A esperança é sempre a última a morrer, minha garotinha – Carlos a abraçou e a mãe logo acompanhou.
- Ele tem razão, Matilde. Ter fé e esperança é essencial para seguir em frente – disse Agustín para em seguida despedir-se com um sorriso.
- Obrigada por salvar a mamãe, Agustín Magaldi – a moça retribuiu o sorriso e o mordomo disse: - Nunca poderei agradecer o suficiente por salvar dona Margarita da morte.
“Se o senhor pudesse me fazer ser capaz de viver esquecido em uma casa cercada de pássaros, flores e sol...”, pensou o vampiro incapaz de completar algo impossível. Saiu dali antes que eles percebessem as lágrimas rubras já escorrendo por sua face branca como mármore. Sequer percebeu o susto dado nos três ainda presentes no quarto quando ele fez algo inesperado: transformou-se em um morcego preto e grande. Um truque usado quando ele queria esconder-se em um local isolado para não transmitir sua tristeza a outros.
O trio entreolhou-se com espanto. Carlos disse sem saber se ria ou ficava sério: - É a primeira vez que vejo tal ocorrência.
- O Drácula podia virar morcego, não? Por que não Don Magaldi? – Matilde riu alto.
Margarita achou muito estranha aquela conversa. O mordomo logo percebeu que explicações eram necessárias.
E a menina descobriu algo naquela noite de arrepios: vampiros eram reais, mas nem todos eram malignos.


Personagens não-históricos:

Alice Abbey-Norrington – Melhor amiga de Matilde Olmos y Piñedo. Quinze anos, órfã de mãe e pai desde os nove. Os pais, um pintor inglês e uma bailarina argentina, morreram durante os eventos do chamado “Frenesi de Agosto”, uma horrível série de assassinatos cometida durante vários dias daquele mês por um assassino que até o momento permanece um mistério para a polícia. Desde então, a menina foi criada pelo seu misterioso padrinho, o senhor Valdelomar. Tem um temperamento bastante calmo, o total oposto de Matilde, cujo temperamento é bem forte e difícil. O passar dos anos, porém, irá amadurecê-la e fazê-la perceber que nem todos gostam de conversar pacificamente.

Carlos – Um húngaro radicado na Argentina cujo nome real é Csillag Korchák. Nascido Bruxo e Caçador. Não se sabe muito sobre seu passado, exceto que matou um vampiro particularmente poderoso de quem muito possivelmente era servo por obrigações de dívida. Há mais de trinta anos trabalha para os Olmos y Piñedo e deixou-os muito contrariados ao aceitar trabalhar para Rogelio depois que ele casou-se com Margarita, por quem nutre enorme lealdade. Considera Matilde como uma filha e faz de tudo para ajudá-la.

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fromking
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Re: De vampiros portenhos e sonhos escabrosos - 22º conto:

Mensagem por fromking »

E lá está Agustín Magaldi novamente,rsrs.
Um bom conto, mas segue uma pergunta:
És portuguesa? Em diversos trechos o conto
está em PT-PT, he,he...
:Y
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Lady Carmilla DWFan
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Re: De vampiros portenhos e sonhos escabrosos - 22º conto:

Mensagem por Lady Carmilla DWFan »

Mesmo? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk. Sou brasileira mesmo, XD. Obrigada por apreciar o conto!

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