De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 31º conto

Venha bater aquele papo furado. Área típica para flood.
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Lady Carmilla DWFan
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De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 31º conto

Mensagem por Lady Carmilla DWFan »

:D , novo conto para os navegantes leitores! Eis que, no final do conto, implica-se que surgirão novos vilões, :mrgreen: . Espero que gostem!


Fome de Viver


1926, porto de Buenos Aires...
Os dois alegres rapazes levavam o tímido amigo para um cabaré localizado naquela banda. Diziam maravilhas sobre as duas dançarinas fazendo a alegria dos frequentadores. O discreto rapaz que os acompanhava espantou-se quando ouviu sobre elas ficarem seminuas durante o show. E acerca delas dançarem enroladas em serpentes. Seria mesmo verdade aquilo tudo? Ou seus amigos Políbio e Silvano já estavam altos de bebida? Ele não duvidava, considerando as inúmeras bebedeiras protagonizadas por eles.
Chegaram após um trajeto bastante acidentado pela calçada decadente da minúscula rua. A despeito da antiguidade do local, até que era bem conservado. Bonito até, pelo menos para o padrão baixo dali. Enrique Discépolo estava acostumado com locais bem melhor localizados, a bem da verdade. Considerando que ele frequentava os teatros e cabarés do centro junto do irmão Armando, um famoso dramaturgo e diretor teatral. Deu-se conta, lembrando-se da conversa com os amigos, que o show começava dali apenas alguns minutos. Tinham chegado em cima do horário. E o local estava tão cheio que mal eles conseguiam dar um passo sem tropeçar em pés masculinos. Seria um milagre se encontrassem um lugar vago.
Acharam, em uma parte onde podiam ver o palco inteiro. “Tivemos sorte”, pensou Enrique enquanto esperava o início do espetáculo. Ou pelo menos era o plano inicial, pois um intenso cheiro de queimado logo adentrou o lotado salão. Todos saíram às pressas e aos tropeços quando alguém gritou que havia fogo no local. Mal Enrique, Políbio e Silvano levantaram quando uma inacreditável língua de chamas surgiu do palco. O fogo subia rapidamente pelas cortinas e algumas fagulhas quase foram nas roupas do trio, que correu desabaladamente. Discépolo, porém, ficou ao notar que possivelmente haveria gente em perigo. Era pouco provável os bombeiros chegarem antes de um estrago pior ser feito.
Os amigos tentaram dissuadi-lo, mas não puderam. Enrique, a despeito da fumaça e das chamas, conseguiu ultrapassar o palco. Usava a gravata recém-tirada para cobrir o nariz e a boca, evitando assim intoxicar-se. Pela bagunça que via nos corredores, era evidente que quem estava ali já havia escapado. Ele, no entanto, tinha certeza de estar ouvindo gritos femininos de socorro e gemidos agoniados de um homem. Ao finalmente encontrar, viu o que claramente era um estrangeiro, precisamente um turco, agonizando com uma faca cravada no estômago. Ele mal e parcamente conseguia mexer-se, mas a mão apontava a porta, que parecia estar trancada com algo jamais visto por Enrique.
- Como eu... destranco isso? – perguntou o jovem autor.
- Tem... um... pé de cabra naquele canto – respondeu ele apontando a direita antes de expirar de vez.
Discépolo amarrou bem a gravata em volta do nariz e da boca. Foi até o canto enquanto as chamas davam o aviso de que dentro em breve o local iria abaixo. Ele achou melhor correr, pois cada segundo perdido piorava a situação. O metal estava um tanto quente, o que causou grande dor nas mãos do poeta. Suportando o dolorido só Deus sabia como, ele deu pelo menos cinco pancadas até conseguir romper a esquisita tranca. Que na opinião dele parecia uma mistura de dois tipos de madeira enroladas com folhas de formato estranho. O que, por todo o sagrado, era aquilo? Algo do teto caiu quando ele enfim derrubou a porta. Deparou-se com duas lindas gêmeas idênticas. E seminuas. Tentando abrir alguma coisa no chão.
Enrique logo gritou para que elas saíssem da frente. Reconheceu a mesma tranca da porta. Pelo menos outras cinco batidas quebraram aquilo. Enfim puderam abrir a porta do que era uma passagem subterrânea. Bastou os três estarem embaixo da terra para que uma explosão indicasse que a antes bonita casa fora abaixo. O jovem soltou a barra gritando de dor. As mãos estavam com graves queimaduras. A maior parte da roupa estava cheia de fuligem. Ele estava quase desmaiando devido à inalação de fumaça, pois a gravata não havia sido a melhor proteção.
Não muito tempo havia se passado até Enrique Discépolo sair da passagem junto das duas. Tal coisa surpreendeu os bombeiros e os amigos que acompanhavam o moço...
- Que diabos?! – Silvano olhou com espanto enquanto Políbio encantou-se pelas belas senhoritas que o carregavam.
- Ele salvou nossas vidas – disse uma.
- Devemos muito a ele – disse a outra para depois perguntar: - Onde ele mora?
- Não quero ser chato, mas acho que não podemos sair com vocês duas assim pela rua – disse Políbio tirando o paletó e oferecendo-o. Silvano fez a mesma coisa. Discretamente perguntaram como elas se chamavam. As duas responderam Arya e Maleena.
- ‘Gracias’, rapazes. É melhor levarmos ele para casa. Ele não está nada bem – disse Arya enquanto Enrique tossia em intervalos de dez segundos.
Os bombeiros nada disseram ao contrário ao perceber que as jovens estavam bem. Acharam um milagre elas não terem sofrido lesões dado o fato de que estavam pelo jeito trancadas em algum lugar. Logo notaram que elas cuidariam do jovem que as salvara, portanto não era necessário incomodar ninguém. Já bastava o local ter pegado fogo e espalhado as chamas por pelo menos meio quarteirão, o que seria difícil de apagar.
Foram-se quase quarenta minutos até onde Enrique Discépolo vivia. As gêmeas e os rapazes o ajudaram a subir as escadas. Não demorou até adentrarem o apartamento e colocarem-no na cama. Políbio perguntou: - Não deveríamos levá-lo a um hospital?
- Eu e Arya sabemos o que fazer. Consigam os ingredientes que vou anotar e tragam. Eles compõem um remédio muito usado na nossa terra e que o deixará como novo em pouco tempo – respondeu Maleena enquanto despia o rapaz, pois não apenas as mãos tinham queimaduras. As pernas também tinham ferimentos devido ao calor emanando do chão.
- Tudo bem – disse Silvano enquanto o outro nada disse, pois não sabia se realmente podia confiar nelas.
Maleena cuidadosamente anotou em uma folha de caderno. Os amigos de Enrique olharam com espanto. Que tipo de remédio seria aquele? Será que funcionava? Os dois iam perguntar, mas Arya logo os olhou profundamente:
- Funciona sim. Ele estará excelente no dia seguinte, no mais tardar dois dias.
Os dois acharam melhor buscar os tais ingredientes, pois queriam o amigo logo restabelecido. Elas, por sua vez, carinhosamente lidaram com seu salvador, dando-lhe um bom banho. Limparam cuidadosamente suas feridas e colocaram um fino tecido por cima, esperando o retorno dos rapazes. Ambos regressaram após uma hora, trazendo duas sacolas contendo as estranhas iguarias da lista feita por uma das belas gêmeas. Arya pegou as sacolas agradecendo com um sorriso que derreteu a maior parte da desconfiança de Silvano e Políbio. Maleena retirou cuidadosamente cada coisa das sacolas e lidou com elas na cozinha, como uma legítima curandeira.
Discépolo, por sua vez, ainda tossia muito. Mal conseguira importar-se de ver quatro mãos femininas despindo-lhe. Pois ainda sentia-se muito mal devido à inalação de fumaça. Sentia os pulmões incrivelmente pesados. Não sabia quanto tempo havia se passado. Tossiu ainda mais quando um cheiro muito estranho entrou por suas narinas. Motivo pelo qual Arya levantou-o delicadamente. Era alguma coisa nas mãos de Maleena. Uma pasta amarelada que ela retirava de um pote. Foi quando as mãos dela, contendo aquela esquisitice, deslizaram por suas pernas de baixo para cima. Depois, foram suas mãos que sentiram a textura daquela estranha pomada. Foi quando enfim conseguiu dizer alguma coisa:
- O que é isso? Esse remédio...?
- É bastante utilizado em nossa terra. Ele cura queimaduras e também serve como expectorante. Fará bem para expelir a fumaça que ainda há nos seus pulmões. Você quase morreu para nos salvar. Cuidar de você é o mínimo que podemos fazer para recompensá-lo por sua coragem – disse Arya abraçando-o contra seu busto.
Enrique não soube inicialmente como reagir ao toque dela. Era muito tímido e quase não tinha contato com o sexo oposto. Só não era virgem porque às vezes frequentava as camas das prostitutas dos bordéis. Fora isso, porém, sua vida amorosa podia ser denominada escassa. Pois seu objetivo maior era parar de viver à sombra do irmão Armando, que desde tenra idade o criara. Viu-se ternamente olhado pelas lindas gêmeas. Percebeu-se sozinho com elas. Seus amigos haviam ido embora, afinal, já não tinham o que fazer ali. Desejou que não voltassem, pelo menos por enquanto. Estava amando aquela companhia duplamente bonita: - Muito agradecido, Arya e Maleena.
- Depois que eu terminar o tratamento, você dormirá bem. Voltaremos para vê-lo – disse Maleena passando a estranha pomada sobre a região torácica dele. Arya, por sua vez, olhou a irmã de modo cúmplice, como se dissesse que ainda faltava um último toque.
A reação não demorou dez minutos. Discépolo ficou com tal sono que não demorou sequer 300 segundos para sua consciência apagar-se totalmente. Dormiu como há algum tempo não fazia. Lindos sonhos com aquelas belíssimas criaturas povoaram seu tranquilo sono.
O dia seguinte, para o jovem poeta, teve um delicioso despertar. Estava desnudo sobre a cama. E com fome, considerando que nada comia desde ontem. Levantou-se. Colocou os trajes menores. Sentia-se excelente. Por Deus, aquele remédio era mesmo milagroso! Os ferimentos estavam quase completamente curados. Respirava com tal facilidade que se via capaz de gritar sem parar por longo tempo. E podia sentir seu corpo magro tão incrivelmente disposto que podia dar um salto quase até o teto. Era como se fosse um novo homem. No entanto, seu estômago avisou-lhe que ele ainda era gente normal. Antes, no entanto, correu até o banheiro para fazer a devida higiene.
A chegada à cozinha revelou grande surpresa. Havia um caprichado café da manhã na mesa. Políbio e Silvano o esperavam. O primeiro sorria enquanto o outro estava com a boca cheia de pão...
- Arya e Maleena nos deram algum dinheiro para encomendar isto para você. Espero que não se incomode. À noite elas virão vê-lo para conferir o resultado desse tratamento.
- Me incomodar, Políbio? Estou é louco de fome! Não ponho nada no estômago desde ontem à noite! – exclamou Enrique muito feliz.
- As senhoritas pelo jeito ficaram muito agradecidas pelo seu ato de coragem. Sinceramente, você é louco! – riu Silvano após engolir o pão que mastigava.
- Não seria condizente com meus preceitos deixar gente correr perigo. Sei que... foi impulsivo, mas considerando aquela localização, os bombeiros dificilmente chegariam antes que uma tragédia pior ocorresse – respondeu ele já comendo alguns biscoitos de chocolate. Foi quando sentiu o alimento descendo estranho: - Vocês sabem de alguma coisa sobre o que aconteceu lá? Quando eu estava indo ver se havia mais gente, encontrei um homem com uma faca cravada no estômago. O coitado morreu logo após me indicar um pé de cabra para arrombar a porta onde estavam as gêmeas.
- Ouvimos comentários que alguém depositou uma bomba de fabricação caseira nos fundos da casa. Quem, não se sabe ainda, porém, a polícia desconfia que foi coisa de mais de um, considerando que acharam um corpo esfaqueado no local que você citou – Políbio bebia um cálice de vinho.
- Embora ele já estivesse carbonizado, a faca ainda estava visível. Foi assim que eles começaram a desconfiar da ação de mais de um. Espero sinceramente que você não tenha que depor. O Armando ficou bem furioso com nós dois por te deixar nas mãos daquelas moças. Queria nos esganar – Silvano tremia ao falar.
- Arya e Maleena foram mais úteis que qualquer médico ou hospital. Me sinto como novo – disse ele sorrindo enquanto servia-se de leite fresco.
- Acho que você casa com as duas! – riu Silvano ao que Discépolo fechou a cara: - Deus que me livre casamento! Isso é a mesma coisa que a morte. Duvido que elas pensem diferente de mim. São melhores do que isso.
- Foi brincadeira, seu abobado. Você acha que sou trouxa de te desejar uma tragédia dessas? – riu o amigo com galhardia.
- Mas eu duvido que você não queira pelo menos se enroscar com uma daquelas delicinhas. Se eu sou o sortudo, as duas vão comigo pra cama no mesmo instante! – Políbio ria tanto que quase perdia o ar.
Enrique quis dar uma resposta mal educada, mas não pôde. Porque ele realmente queria as gêmeas. Nunca tinha sentido tanta vontade de possuir alguém como naquele momento. De repente, sua mente podia visualizar uma cena bem pouco adequada a olhos não acostumados. Era como se pudesse ouvir a voz delas sussurrando-lhe sensualmente ao pé do ouvido: “Imagine que nossas bocas são um outro lugar”*. Balançou a cabeça para afastar o pensamento. Ele e seus amigos continuaram tomando o café apenas não querendo imaginar o que o futuro reservava.
Queriam tão somente viver um dia de cada vez.
...
1951, dezembro, noite do dia 22...
Nenhum dos dez médicos sabia o que ele tinha. Tania afligia-se por vê-lo naquele estado horrível. Estava tão magro. Doente era uma legítima piada perto da realidade imposta. Parecia ter morrido há muito tempo, sem um funeral decente. Políbio e Silvano ali estavam, perguntando-se o que fariam para salvá-lo. Nenhum dos dois o abandonara a despeito da polêmica na qual ele se envolvera tempo antes em razão de Perón. Questionavam-se ambos se realmente aquilo valera a pena. Não que exatamente odiassem o governo, mas existiam defeitos. Era inevitável. Não se podia agradar a gregos e troianos afinal.
O brutal revés sofrido devido às suas opiniões minara por completo sua vontade de viver. Discepolín queria apenas morrer de uma vez por todas. Agora era somente um homem que ‘el tempo trató com impiedad’. Ao contrário dos dois amigos ali presentes, que pareciam sempre joviais e bonitos a despeito de terem quase a mesma idade que ele. Ele tinha de perguntar: como aqueles dois não haviam se perdido na tristeza e depressão como ele? Eles sempre conseguiam extrair algo positivo mesmo das piores situações. Ele, ao seu turno, não pôde superar o horrível golpe dado em sua sensibilidade humana. Não suportava ver os outros tratarem-no com desprezo só porque tinha opiniões favoráveis a quem sofria.
E só podia agora prender-se às lembranças das lindas gêmeas que no dia seguinte de cuidá-lo, o visitaram. A noite havia sido a melhor que tivera até então. Com as duas e à base de um estranho vinho adocicado. Nunca as esquecera. E elas não o olvidaram também. Pelo menos uma vez a cada dois meses lhe escreviam contando de suas turnês pelo mundo. E de suas vidas após terem parado de dançar. Pelo menos uma última vez queria vê-las. Despedir-se de maneira decente de suas queridas amigas. De sua amada, vivendo com ele desde 1927. Quando ele achava que jamais se casaria. Ir em paz, ou pelo menos transmiti-la a quem o visse pela última vez. No entanto, tinha a certeza de não lograr tal feito.
Paz espiritual nunca seria sua companheira, mesmo depois que partisse. Perguntava-se se haveria vida após a morte. Como seria o outro lado? Iria para o céu ou para o inferno? Nunca fora de pensar nessas questões por não se considerar religioso o suficiente. Ele não pensava nisso, mas nem o céu e nem o inferno existiriam para ele. Políbio e Silvano o sabiam. O observavam enquanto esperavam Tania decidir-se a dormir ou pelo menos sair dali. Ela logo disse que precisava ausentar-se. Tinha fome ou pelo menos tentaria comer, pois há dias já não conseguia fazê-lo direito. Os dois assentiram.
A esposa de Discepolín não voltaria pelas próximas horas. Possivelmente estaria preparando o possível funeral do marido, pois era certo que não duraria mais que alguns dias. Eles, porém, tinham um plano cuidadosamente executado desde 1926, a pedido delas. Arya e Maleena eram especiais. Belas e poderosas. Prometeram voltar quando Discépolo delas precisasse. Ele realmente precisava embora não admitisse. Os dois esperaram por aquele momento por mais de vinte anos.
Foi quando o mais escuro da noite revelou a Enrique que seus amigos haviam rejuvenescido. Recordou-se de como ambos haviam desaparecido por duas semanas em 1927 e não soubera nunca o motivo. Algo havia acontecido com os dois naquele ano e depois eles novamente sumiram, mas um mês antes. E pelo menos uma semana sem dar notícias. Os dois aproximaram-se da cama do moribundo amigo: - Arya e Maleena estão vindo vê-lo. Têm muito que lhe dizer. Sabem o que ocorre com você. Querem te dar uma chance.
- O que querem dizer? Expliquem-se – ele mal conseguia comunicar-se de tão debilitado que estava.
A explicação não teve palavras, somente uma cor: o vermelho incandescente dos olhos de Políbio e Silvano.
Enrique Discépolo sentiu as mãos agora muito frias dos amigos a tomar as dele. Como não tinha percebido aquilo logo que viu?! Tudo agora se encaixava: desde trinta dias antes os dois nunca apareciam antes da caída da noite e não aceitavam comer ou beber alegando que já o haviam feito. Isso significava uma coisa: fosse o que fosse o acontecido com eles, isso não os permitia tocar o dia ou se alimentarem como ele...
- Vocês... morreram? – aquele gélido toque era incapaz de deixar dúvida. Mesmo que quem deduzisse não fosse médico ou coisa parecida.
- Muitas noites atrás. Voltamos, porém. Estivemos como carniçais delas por todos esses anos. Assim evitaram causar problemas à cidade ou a você. Nos pediram para que jamais deixássemos de cuidá-lo. Que nunca o abandonássemos – Silvano olhava-o com o amor que apenas um irmão podia sentir.
- Você, porém, abandonou a si mesmo. Por favor, volte para nós nem que seja... – Políbio dizia quando Discépolo o interrompeu: - Não tem mais volta. Inexiste lugar para mim neste mundo.
- Em nosso mundo há lugar para você – uma voz feminina e forte invadiu o local.
- Você será amado como merece. Ninguém discriminará você apenas porque é favorável a quem tem menos e por ter bom coração – outra voz tão linda e forte quanto veio.
Sentado com ajuda dos sempre fiéis e presentes amigos, uma pilha de travesseiros apoiando as costas, ele novamente as viu. Estavam tão lindas e exuberantes como quando se viram naquele dia em 1926. Elas...? Deus, isso não podia ser real. Não havia como. Já tinha ouvido falar algo sobre aquelas lendas, mas sempre achou que aquilo não passava de pura história. Qual era mesmo o nome? Os coveiros dos cemitérios os chamavam de “feras humanas”. O professor Elijah Colman, por sua vez, os denominava “vampiros”, seres que à noite deixavam as tumbas para alimentar-se dos vivos.
Na verdade, aquilo não era tão assustador quanto parecia. Quem sabe daria uma segunda chance a si mesmo. De repente, tinha planos antes impensados. Quem sabe poderia levar sua querida Tania consigo. Talvez trouxesse seu irmão junto. Eles três poderiam divertir-se e dançar tango todas as noites sem parar. O outro mundo falado por elas talvez fosse muito melhor. Arya e Maleena eram tão lindas, tão doces, tão puras. Nem mesmo sentiu dor quando ambas morderam seus pulsos magros. Não se importava com o que fosse acontecer. Mesmo que morresse naquele momento, estaria feliz por tê-las visto uma última vez.
...
O dia seguinte chegou normal, a princípio, para todos. De repente, viu a vida de Discepolín apagar-se após uma síncope logo depois dele sentir dores fortes no peito. Sua amada Tania e o amigo Osvaldo Miranda estavam com ele na hora derradeira. E “el Pichuco” Anibal Troilo chegara logo após o anúncio do “deceso”.
Muitos amigos acompanharam o funeral no dia seguinte, a mais triste véspera de Natal já vivida por qualquer um ali presente. Quem poderia imaginar...? Aliás, não era desconhecido que o pobre Discepolín perdera toda e qualquer vontade de viver nos últimos tempos. Estivera sendo vítima de um ódio não merecido e descabido apenas porque tinha dito o que muita gente recusava-se a ouvir. Ele tinha grande coração e fazia tudo o que podia por quem precisasse. Então por que?
“Porque alguns humanos são mesquinhos e cruéis. Merecem uma morte condizente com sua soberba”, dizia uma voz, uma que ninguém podia ouvir. Pois seu dono encontrava-se repousando em um dos jazigos em capela, esperando a noite cair. Estava ansioso por tal hora. Especialmente porque a semana era do plenilúnio, uma fase lunar onde os vampiros eram especialmente ativos.
“A Hora Negra”, como os funcionários da Chacarita chamavam o cair da noite naqueles dias, havia chegado. A lua cheia estava assustadoramente destacada no céu azul escuro da noite portenha. E sempre tão bonita, testemunhou várias aranhas, de variados tipos, caminhando em direção ao panteão onde um enterro mal completava cinco horas. E no meio delas, envoltas em névoa, Arya e Maleena iam em direção à tumba de Discépolo para saber se o processo começado em 1926 tinha surtido efeito.
Políbio e Silvano as esperavam, já munidos de instrumentos de arrombamento. Acabaram surpreendidos pelas mestras trazendo um homem munido de ferramentas melhor adequadas para abrir um local como aquele...
- Abra. Não tente fazer gracinhas...
- Ou terá muito com o que se preocupar.
O pobre não teve a mínima coragem de responder, apenas balbuciou que o serviço seria rapidamente feito. Demorou algum tempo, pois as mãos tremiam de nervosismo. No entanto, conseguiu abrir cada parte sem danificar nada. Olhou-as após deixar o caixão à mostra ainda dentro da tumba: - Me... deixam ir?
- Sim – disse Arya sorrindo para depois depositar um grande maço de notas na mão do homem.
- Você não fez nada errado. Seguiu as instruções como devia. Mereceu esta recompensa. Faça algo bom com ela – Maleena disse educadamente.
O homem tentou dizer algo, mas não pôde. O trauma apresentava-se grande demais para as palavras fazerem seu lugar. Ele simplesmente correu desabalado porta afora. Elas, por sua vez, retiraram o ataúde e o abriram logo que ele foi colocado no chão. Os quatro vampiros riram com sinistra alegria, comemorando a visão. Um homem jovem e bonito parecia apenas adormecido. Enrique Discépolo não mais era aquele homem doente que parecia ter morrido sem enterro. A noite agora lhe pertencia e ele a ela.
Seus olhos abriram-se. Eles viravam-se tentando acostumar-se à nova e estranha realidade. Deu a mão quando Arya ofereceu-a para ajudá-lo a levantar-se. Quando enfim estava em pé, recordou-se de todo o ocorrido antes de sua morte e durante seu enterro. Comoveu-se ao lembrar-se de tantos amigos presentes, pelo menos os que não o haviam abandonado. Fechou os olhos respirando fundo ao estar ciente de tudo o que o levara até ali. Ele tinha muitas contas a acertar, mas elas podiam esperar. Precisava saber o que era capaz de fazer, quais eram seus poderes e se existiam outros como eles. Contemplou as mãos agora frias, com unhas longas. E logo se viu no espelho de mão de Maleena.
Estava tão jovem, tão... como costumava ser. Encarou seus olhos rubros. Passou a língua pelos afiados caninos crescidos. Segurou o artefato com as duas mãos, como se pudesse contemplar o futuro de antemão. Logo saiu para a liberdade da noite. Encarou a lua cheia com um enorme sorriso. Ela parecia dar-lhe poder, alimentá-lo com sua presença. As aranhas espalhadas por meio quarteirão de necrópole, por sua vez, o saudavam tecendo brilhantes teias entre os túmulos. Todas formando a seguinte frase: “Bem vindo de volta”. Ele enterneceu-se com o carinho daqueles seres que muitos diziam ser “irracionais”.
De repente, ele tinha muita fome. Capaz de ser saciada apenas por sangue. De preferência de quem merecia morrer. E existiam uns quantos nessa categoria. Aquela era só a primeira noite de muitas que viriam. Sua maior fome, porém, era a de viver. Fazer o que bem entendesse sem que ninguém dissesse o contrário. Ajudar quem precisasse e punir quem merecesse.
Estava pronto para deixar de vez sua vida anterior. Abraçou completamente sua nova existência. Tornar-se-ia lembrança para uns. Uma lenda para outros. Para “los Mordisquitos”, porém, ele seria a nova face do medo. E da Morte.


Apresentando o meu novo mascotinho, :D : http://www.elforjista.com/discepolo.htm" onclick="window.open(this.href);return false; e http://www.todotango.com/creadores/fich ... Discepolo/" onclick="window.open(this.href);return false;
Aviso, gente: cuidado que ele morde. E pica, :lol: . (Lendo a biografia dele, vocês vão entender o motivo de eu ter colocado alguns pontos que pus no conto.)

Arya e Maleena (http://i.imgur.com/F8Bd7M4.jpg" onclick="window.open(this.href);return false; (Como não quero os moços passando mal de tanto babar, vou deixar o link desse jeito, :lol: .)) - As Ancestrais Gêmeas, das quais ninguém sabe muito bem as origens ou como seus poderes surgiram, o que gera incontáveis histórias sobre como elas teriam se tornado o que são. Belas, imortais, poderosas. E impiedosas quando alguém causa mal aos que elas amam. Seus poderes são semelhantes aos das aranhas, por isso sendo elas conhecidas como as "aracnivampiras", sendo as criadoras de tais seres, conhecidos por sua imensa ferocidade e apetite por carne humana. E por soltarem teias pelos pulsos e locomover-se por paredes tais como os aracnídeos.


*: Alguém sacou a referência? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, eu não li o livro e muito menos vi o filme. Só quis fazer jogo de advinhação, :lol: .

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Re: De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 31º conto

Mensagem por Tatuador »

Parabéns por mais um conto da saga "De vampiros portenhos e sonhos escabrosos". Que venham novos vilões e novas vilãs deliciosas. :Y

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Re: De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 31º conto

Mensagem por Lady Carmilla DWFan »

:D, obrigada pelo carinho! Espero que tenhas apreciado a história!

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Re: De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 31º conto

Mensagem por RurouniAndre »

Sou suspeito p falar, mais gosto de historias que mesclam pessoas reais ou simplesmente fazem menção coesa delas*.
:Y :Y :Y

*Ex:
Fico bravo com filmes, hq's, livros..., que tem como pano de fundo a 2ª guerra e sem motivo nenhum citam Hitler como culpado de tudo que acontece na trama.

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Re: De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 31º conto

Mensagem por fromking »

O discreto rapaz que os acompanhava espantou-se quando ouviu sobre elas ficarem seminuas durante o show. E acerca delas dançarem enroladas em serpentes.
Faz-me lembrar Luz Del Fuego:



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Re: De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 31º conto

Mensagem por Lady Carmilla DWFan »

RurouniAndre escreveu:
*Ex:
Fico bravo com filmes, hq's, livros..., que tem como pano de fundo a 2ª guerra e sem motivo nenhum citam Hitler como culpado de tudo que acontece na trama.
Isso é verdade. Embora o Hitler notadamente fosse um bastardo.

Fromking: Eu me inspirei um pouco nessa dançarina pra fazer parte onde descrevo o espetáculo das gêmeas. E não são bem vampiros-cobras, mas essa espécie existe no meu universo e são chamados "repitilianos". O Discépolo, os dois amigos dele e as Ancestrais Gêmeas são "aracnivampiros".
No mais, espero que tenha apreciado, :D .

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Re: De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 31º conto

Mensagem por RurouniAndre »

Lady Carmilla DWFan escreveu:Isso é verdade. Embora o Hitler notadamente fosse um bastardo.
Sem dúvida ele é/foi um dos maiores FDP de todos os tempos, mais ñ fez tudo sozinho, de vez em quando temos que da créditos a outros.
:lol: :lol: :lol:

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Re: De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 31º conto

Mensagem por RurouniAndre »

Lady Carmilla DWFan escreveu:*: Alguém sacou a referência?
Com assim vc nunca leu ou assistiu a esse crássico?!

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