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La Cenicienta - Parte 2
Rosita, por sua vez, correu de tal forma que sequer havia se lembrado de ir até o chofer que a esperava. Correu até algum ponto cego e ali parou, devido ao cansaço. Apavorou-se quando percebeu a falta do sapato e seu esquecimento de Rosendo. Estava perdida em um bairro que mal conhecia. Arriscando-se a sofrer algum tipo de violência, só Deus sabendo qual. Foi quando a voz do chofer surgiu inesperadamente: - Por sorte eu conheço esse lugar como a palma da mão.
- Me perdoe! – exclamou ela temerosa para depois dizer: - Por favor, não faça perguntas. Me leve para casa e me dê a peruca.
- Tudo bem. Venha – respondeu ele sem mudar o tom.
Ela nada disse durante o trajeto de volta. Ao chegarem, ela notou a casa tão escura quanto possível, o que indicava seu padrinho já adormecido. Agradeceu ao chofer e dele despediu-se, pegando a peruca e rapidamente entrando em casa. Estava grata a Deus por sua madrasta e as filhas dela ainda estarem na festa.
Subiu ao seu quarto. Retirou as roupas, as joias e os sapatos, colocando tudo cuidadosamente de volta na caixa abaixo do alçapão. Segurou novamente o grito que insistia em sair. Precisava entender tudo aquilo antes de qualquer coisa. O nome de seu par era Ruperto Leopoldo Thompson. Ela repentinamente lembrou-se de algumas conversas entre seus pais onde o pai citava um amigo chamado Thompson que morrera cedo demais. Será que podia ser a mesma pessoa? Ela sentia-se desnorteada. Sem saber o que fazer. Achou melhor retirar a maquiagem do rosto e dormir. Se conseguisse fazê-lo depois do pesadelo que vivera.
No dia seguinte, a rotina voltara ao seu costume. Rosita fazia as tarefas domésticas de sempre e estudava. Nada fora percebido pelas três, exceto que a jovem parecia um tanto distraída. Heidi disse que possivelmente ela andava apaixonada. Elza pensou em concordar, mas achou que talvez ela estivesse deprimida em razão do pai. Amélie concordou com tal parte dizendo que era o mais provável, afinal, a data do desaparecimento de Gerardo não estava longe. Tal afirmação incomodou bastante a mãe...
- Você tem mesmo que comentar isso desse modo?
- Melhor você rezar para que ela nunca descubra isso, senão só Deus pode prever a reação dela – respondeu a filha mais velha sem sequer piscar.
- A nossa reação também conta, Amélie. E possivelmente não será nada pacífica – disse Heidi com frieza.
- Que seja. Eu apenas torço para que nada aconteça conosco. Vocês devem estar sabendo sobre o que fazem com remanescentes quando os pegam – a mais velha das filhas olhou com tal seriedade que a mãe e a caçula se viram obrigadas a concordar. Afinal, ela não estava mentindo.
- É melhor não correr nenhum risco da Rosita saber a verdade. Ou teremos que mudar a dinâmica. E o Gerardo sabe que se não fizer o que mandamos, arrisca-se perder as duas pessoas que ele mais ama. Tudo o que sobrou da Vivian para ele – respondeu Elza com certo triunfo.
Amélie segurou dentro o engulho subindo até a garganta. Achou que afinal era hora disso terminar. Não sabia como, mas faria algo. Culpava-se por ainda não ter feito nada, mas agora iria, mesmo com todos os riscos. Sabia onde estavam as cartas. Ela só precisava de uma chance. Pensou que a noite seguinte seria perfeita para tal. Uma amiga viria jantar ali. E haveria vinho. Apenas uma pequena dose de sonífero em dois dos quatro copos e estaria tudo certo.
Isso se não fosse por algo inesperado a acontecer naquela noite. Amélie, horas depois daquela conversa, estava indo dormir quando novamente ouviu os passos ecoando na casa. Todos dormiam, Rosita em especial, pois ela andava bastante cansada. Só naquela manhã fizera duas provas difíceis. E estivera estudando como louca. Admirava-a muito por ser tão esforçada. Desejou que ela pudesse encontrar a felicidade fora daquela casa.
Ela saiu do quarto em passos leves. Desceu à sala...
- Seja você quem for, apareça agora. Eu não direi duas vezes.
- Muito bem dito, senhorita Amélie – a voz de um homem estava bem próxima.
Ela virou-se rapidamente. Recuou dois passos ao ver quem era...
- Você...? Vi um retrato seu na casa do Gerardo quando vim para a Argentina!
- Eu e Gerardo somos amigos. Só que eu tive o “azar” de morrer cedo demais e de estar apaixonado pela Vivian quando aconteceu. Eu sou Thompson, Leopoldo meu primeiro nome – respondeu ele arqueando as sobrancelhas.
- Um vampiro. Primeiro nome Ruperto. Não estou surpresa que você prefira usar Leopoldo – disse ela cruzando os braços seriamente.
- Não pude deixar de perceber seus pensamentos. Não se preocupe. Rosita já entregou as cartas às autoridades competentes. Logo sua mãe pagará por seus pecados. E se depender de mim, ainda vai ter mais um na lista e sua irmã vai se complicar igualmente – respondeu ele para o total horror da mulher, incrédula com a ousadia da jovem. No entanto, acreditou após Thompson explicar tudo e revelar que morava ali usando o porão como seu refúgio diurno.
- Isso explica porque às vezes eu vejo as portas destrancadas e outros detalhes adicionais – disse Amélie disfarçando o próprio horror, mas o disfarce nada durou: - Herr Schroeder enviou a carta mais recente possivelmente antes da festa e Rosita deu a sorte de recebê-la. Eu só queria saber como...
A expressão de Amélie encheu-se de uma quase cômica incredulidade: - Então... a moça do vestido dourado perolado era ela? E você era o par de dança! A única coisa que não encaixa é o cabelo. A Rosita não muda de penteado há anos!
- Isso fica por sua conta descobrir – riu o vampiro.
- Isso não tem graça! Rosita garantiu que não iria à festa! Pelo jeito tudo o que ocorreu foi o estopim. E isso é péssimo. Eu...! – ela dizia quando Leopoldo interrompeu-a: - Você não será acusada de nada, Amélie. Quem pode te punir por você querer garantir a segurança do homem que você ainda ama?
- Como sabe? – ela encheu-se de medo. Aquela festa havia despertando em sua mente lembranças de uma época cheia de felicidade. De pouco tempo, mas feliz como ela nunca tinha sido até então. Seu par naquele dia dançava exatamente do modo delicado do seu Johann. De forma a fazê-la recordar dos pequenos ramos de flores, dos chocolates em forma de coração, das frutas recém-colhidas que eles comiam. Ou de quando ele, em segredo, a chamava de “Pfirsichblüte” e ela a ele de “Werther”. Era o modo usado para se comunicarem depois que Elza havia proibido o namoro em razão de o rapaz ser judeu.
- Sou um excelente detetive – disse ele ao que ela soltou uma lágrima: - Eu duvido que ele continue me amando caso veja o que me tornei. Sou tão... feia.
- Eu sei que ele irá. Se é amor de verdade, nada vai fazer isso mudar. Nem mesmo as marcas da guerra – disse ele observando discretamente o corpo da mulher ali à sua frente.
Amélie tentou sorrir, mas só podia chorar. No entanto, sua mente encontrava-se feliz porque enfim aquele tormento havia acabado. Ela e o vampiro, porém, não imaginavam que Heidi estivera muito perto de descobrir tudo. Ela, porém, não conseguia levantar-se da cama. Acordara de repente e teve a impressão de ouvir a voz da irmã. No entanto, um inacreditável cansaço apoderou-se dela, como uma prensa esmagando uma montanha de lixo. A causa? Um vampiro negro não disposto a permitir que as coisas dessem errado de alguma forma. Rosita merecia seu triunfo depois de tudo. A lei do retorno era sempre implacável com quem praticava o mal.
Ela perguntou após lembrar-se de alguns momentos antes: - De que outro crime você está falando? Como assim a Heidi também vai pagar por ele?
- Sobre o qual você tem suspeita há anos – disse ele tirando um papel do bolso do sobretudo e dando a ela: - Leia. Você entenderá do que estou falando.
Temerosa, ela aceitou e o pegou. Leu. Fechou os olhos, horrorizada ao descobrir que vivia com duas assassinas sob o mesmo teto. Olhou Thompson e devolveu: - Leve isso às autoridades competentes. Eu não consigo fazê-lo. Estou...
- Que seja, Amélie. Eu compreendo. Elas são a sua única família. É difícil descobrir que ela vale menos que uma moeda – o vampiro suspirou com lamento.
- Por que está fazendo tudo isso? – perguntou ela.
- Eu devo demais ao Gerardo. Ele sempre foi meu amigo. Nunca se importou com a minha cor ou com o que eu fazia mesmo a família dele sendo bastante contra nossa amizade em razão de eu ser mulato e violonista. Você deve saber que minha profissão ainda sofre um bocado de preconceito. E minha cor mais ainda. Apesar dos caminhos da vida o terem posto no alto, ele nunca se esqueceu de quem estava embaixo – disse ele com certa tristeza. Aquele papel e outros que Thompson guardava diziam a verdade sobre a orfandade materna de Rosita. Fruto de investigação prolongada.
- Infelizmente é verdade. ‘Muchas gracias’, Leopoldo – ela enfim podia sentir-se amiga de quem teoricamente deveria ser seu inimigo.
Amélie Rohm despediu-se de Leopoldo Thompson após ele dizer que precisava alimentar-se. Subiu para dormir quando se deparou com a mãe saindo do quarto: - Que faz fora da cama a essa hora?
- Na cozinha tomando um copo de água. Estava sem sono, mas agora acho que vou realmente dormir – respondeu ela com a seriedade fria de costume.
- Foi impressão ou ouvi alguém falando? – perguntou Elza desconfiada.
- Possivelmente foi em algum dos vizinhos. As paredes aqui são igual casca de ovos – respondeu Amélie indo para o quarto sem dizer mais nada.
Elza ficou ainda mais “encafifada”. Estava certa de que tinha ouvido vozes. A distância e uma surdez considerável no ouvido direito não lhe permitiam definir onde era. A alemã estava certa, porém, de que não havia sido na cada dos vizinhos. Ou o problema a estava fazendo ter impressões erradas. Maldição! A mulher praguejou para si mesma ao perceber que declinava mais e mais a cada dia que passava. Temia que o grupo a descartasse quando não visse mais utilidade nela. As cartas, porém, garantiriam sua segurança caso ocorresse algo. Suspirou aliviada e até mesmo voltou a dormir.
O dia seguinte transcorreu tranquilo na maior parte do tempo. Pelo menos na claridade.
À noite, duas amigas haviam chegado para visitar Elza ao mesmo tempo em que algo estranho ocorria na rua. As duas mulheres comentaram o ocorrido. Uma esquisita comitiva andava desde o pôr do sol procurando uma senhorita que havia perdido um sapato dourado na festa de Don Rodolfo Soler. O “príncipe” buscava sua “Cinderela”, elas diziam rindo.
Elza e Heidi se lembraram de quando a jovem desconhecida saíra correndo da festa. Haviam notado quando ela perdera o calçado. Perguntaram-se por um bom tempo a razão pela qual ela havia corrido daquela maneira. Amélie dirigiu um discreto e certeiro olhar para Rosita, que tremeu ao imaginar a tal comitiva entrando ali.
A folgada loira, por sua vez, esperava o momento de colocar a jovem Trinidad Rosa contra a parede. Estava certa de que ela roubara as cartas do sótão, afinal, ela era a única com acesso à casa toda por ser a responsável pela limpeza. Seus instintos lhe diziam que de alguma forma ela soubera de tudo. Até porque o carteiro lhe garantira, após uma boa lábia somada a um bom dinheiro, que havia entregado uma correspondência da Alemanha no sábado retrasado. E uma encomenda para a jovem Rosita. Nada dissera à mãe porque queria ela mesma dar uma boa lição nela. Mostrar à Elza que era digna de servir aos propósitos do grupo. Um ferimento bem feio no rosto iria impressioná-la.
Heidi, no entanto, não imaginou o que o destino lhe reservava para aquela noite. Estava no segundo copo de vinho quando a campainha tocou. Elza prontificou-se a atender. Embasbacou-se com o que viu: um grupo de pessoas vestidas de negro procurando a dona de um sapato perdido. As amigas outra vez riram, dizendo que os deixassem brincar um pouco, pois a vida era curta demais para não sorrir. Rosita viu-se tremendo por dentro. Reconhecia Thompson e Rosendo no grupo. Amélie disse séria: - Por favor, sejam rápidos porque estamos com visitas. E os vizinhos dormem em seguida.
Hesitantes, Elza e Heidi experimentaram o sapato. As visitas o mesmo fizeram a sorrir marotas. A jovem não se mexia quando Leopoldo ajoelhou-se diante dela: - Sua vez.
A jovem calçou o sapato calmamente. Serviu com perfeição. Todos se paralisaram ao ver que ela era a proprietária. Ela, porém, respondeu: - Perdoem-me, mas o sapato servir é mera coincidência. Meu ele não é. Não é muito raro ver senhoritas com o pé igual ao meu de tamanho.
- Interessante que a dona do sapato me lembrava muito a sua cara de lambisgóia – disse Heidi injuriada.
- Eu não fui à festa, vocês todos sabem. Caso não lembrem, tenho coisas mais importantes a prezar – respondeu ela sem pestanejar e ignorando o comentário ofensivo.
- Por mais que você esteja sendo sincera, aquela senhorita realmente se parecia com você, só que carregada de maquiagem e com um corte de cabelo diferente. Além do mais, com que dinheiro e de que maneira Rosita teria comprado aquele conjunto todo? Com tudo o que ela faz, não teria tempo disso se concretizar decentemente – Elza ponderou embora observasse a enteada atentamente.
- Eu enviei o presente, minha senhora – respondeu Thompson já afastado para depois dizer: - A dona desse sapatinho ganhou meu coração há alguns anos. E eu queria declarar meu amor na festa, mas ela saiu correndo à meia noite.
- Ela correu tanto a ponto de perder o sapato dessa forma? – perguntou Amélie.
Rosita lembrava-se demais do motivo que a fizera correr. Ela vira seu par cravando afiadas e longas presas no pescoço de uma pobre moça no jardim de trás da casa. Tivera enorme medo e não pensara duas vezes em correr. Não compreendia o que ele era, pois humano era uma realidade bem distante daquele caso. E possivelmente dos outros ali presentes.
- Bêbada ela não estava porque ninguém alcoolizado consegue correr. Então o que será que a fez fugir? – Heidi perguntou, porém, o sapatinho servindo no pé de Rosita criava toda uma nova teoria em sua mente. O cabelo, no entanto, não batia. Impulsivamente voou em cima da jovem e puxou o cabelo com força, revelando a verdade que no fundo ela já sabia: - Eu devia ter imaginado as suas mentiras!
Elza mal teve tempo de horrorizar-se com tal coisa porque Rosendo logo agarrou Heidi: - Machuque-a e você terá muitos motivos para se preocupar.
A alemã deduziu quase de imediato o ocorrido quando viu Rosita sem a peruca: - Como pôde mentir dessa forma?!
Sem opções, a jovem ficou em pé e delicadamente descalçou o sapato: - Tive motivos. Todos eles, Elza. Logo a Polícia Internacional estará vindo prendê-la por seus crimes contra a humanidade e o sequestro do meu pai.
- Então...?! – Heidi quis falar, mas foi calada por um forte tapa dado por Amélie: - Não fale mais nada, sua assassina!
- Filha...?! – Elza não acreditou. Podia ela ter...?! Recusava-se a crer naquela possibilidade.
- Considerem-se fora da minha vida para sempre! – exclamou a mais velha chorando raivosamente.
- Não esqueça que você também tem envolvimento nisso, Amélie! – exclamou Heidi furiosa.
- Ela não possui envolvimento algum nos crimes de Elza ou cumplicidade na morte de Vivian Lorens – Thompson disse com absoluta frieza para o total horror de Rosita...
- Isso...
- A sua mãe foi assassinada pela Elza. Um envenenamento feito por meses com arsênico. Veneno dificilmente detectável se utilizado em pequenas doses. Ela aproveitou-se de que Vivian estava na cama em razão de uma queda de cavalo – respondeu o vampiro sem ao menos piscar.
- E não apenas ela teve a audácia de cometer esse crime com a ajuda de Heidi, como ainda usou o grupo do qual ela faz parte para ameaçar o médico da sua mãe. O coitado se viu obrigado a apressar a certidão de óbito quando foi ameaçado depois de perceber que havia algo errado com o falecimento de Vivian – disse Rosendo com raiva.
Amélie olhou para as duas, estando ainda horrorizada com o descoberto. Sempre havia imaginado que Heidi tinha o temperamento genioso da mãe, mas agir como ela já era demais...
- Bem que eu estava achando estranho que um dos amigos alemães da mamãe estava aqui na época da morte de Vivian. E inclusive se estabeleceu por aqui. Então ela o chamou para usá-lo como ameaça contra o doutor Alvaro. O que explica a razão pela qual ele foi embora da cidade logo depois do enterro. Possivelmente temeu pela própria vida e a dos familiares. Ele sempre foi inteligente demais, dificilmente cairia nessa armação. Só que ele não contava com a minha mãe fazendo parte de um grupo nazista. E que ela seria capaz de ir tão longe para ter o que desejava.
Elza olhou para as amigas ali presentes estranhando que elas não mostrassem reação: - Vocês não acreditam nesses absurdos, acreditam?
- Elas não acreditariam, mas nós acreditamos – disse uma delas para em seguida arrancar a peruca e a máscara, revelando-se como outra pessoa. Uma bela morena levemente cheinha.
- Nós já sabíamos disso porque Thompson contou tudo antes que viéssemos – falou a outra também se revelando alguém disfarçada. Igualmente morena, mas mais magra e com uma aparência marcante.
Amélie ficou incrédula com tal situação, logo se lembrando de que o vampiro Thompson usava o porão para abrigar seu ataúde. Certamente ele ouvira os planos da mãe e utilizara seus poderes para impedir as verdadeiras senhoras de vir até a casa. Além de chamar duas vampiras para se disfarçarem como as amigas. Olhou-as com atenção: - Não sei que técnica vocês utilizaram, mas os disfarces ficaram perfeitos.
- ‘Gracias’, Amélie. Um pouco de talento com desenho misturado com magia das bruxas – disse ela para o desespero de Elza, que percebeu que a filha mais velha usava seus dons: - Você não deveria...!
- Sinto muito, mãe, mas você não mandará mais em mim. A guerra acabou, Hitler caiu e agora vocês vão cair! – exclamou ela furiosa para depois dizer: - Se estou com esse corpo hoje, é sua culpa! Você disse ao meu superior que eu tinha dons especiais. Ele me forçou a treinar dia e noite e me alimentava com todo o tipo de suprimento especial. Por conta disso, eu choro quando me olho no espelho. Eu costumava ser uma menina normal até você acabar com isso me enviando para o front!
- Amélie, como assim? – Rosita não compreendia e os vampiros pareciam igualmente longe do entendimento. Exceto Thompson.
A filha mais velha de Elza Rohm rasgou as mangas do vestido e a parte de baixo sem pensar: - Você agora entende porque eu sempre uso roupas fechadas e folgadas?
- Nossa! – um inacreditável coro se fez na sala quando todos viram que Amélie Rohm tinha músculos bem masculinos.
- Você devia saber que sempre te achei bonita de algum modo – disse Rosita demonstrando não se importar sobre como ela se parecia.
- Você tem um bom coração, mas eu sei que sou feia. Nenhum homem vai se interessar por mim – disse ela com tristeza e um sorriso quase se abriu em Heidi. Ela, porém, gemeu fortemente de dor quando Rosendo agarrou com ainda mais força seu braço.
Elza nem ao menos conseguia mexer-se de tão apavorada. Como tudo de repente dera tão errado? Como maldições sua odiosa enteada soubera a verdade? Quem afinal de contas era aquela inacreditável turma?
- O que querem?! Podem provar que sou essa criminosa nazista de quem falam?!
Leopoldo Thompson retirou dos bolsos do sobretudo as provas. Ele e outros dois exibiram os papéis diante dos olhos incrédulos de Elza. As cartas que recebera da Alemanha estavam em um terceiro par de mãos. Ela olhou para Rosita com absoluta raiva. Quis se mexer, mas a morena magra agarrou-a com incomum força: - Você jamais ira tocá-la novamente. Daqui você irá direto para a prisão! Você e aquela loira vagabunda.
A jovem Trinidad Rosa olhou tudo. O padrinho da jovem ouvia tudo de seu quarto, pois a perna não lhe deixou descer. Estava horrorizado com a resolução daquilo tudo.
A investigação de Thompson o fez descobrir sobre o assassinato de Vivian Lorens. Tudo estava ali. O pobre Doutor Alvaro corroeu-se anos pela culpa de não ter contado antes a verdade. Ela podia compreendê-lo. Tão horrível quanto era saber que Elza era filiada ao Partido Nazista desde a subida de Adolf Hitler ao poder. A morte dele, por suicídio um ano antes, debandou a maior parte dos aliados, que foram presos ou mortos. O grupo do qual sua madrasta era parte, os Dragões Arianos, ainda estava ativo e determinado a reerguer o Terceiro Reich.
Tal objetivo foi o causador da morte de pelo menos uma centena de pessoas que estavam no “Czarina Catherine” quando este fora afundado por um tiro de canhão dado por uma embarcação inimiga. Objetivo: o sequestro de Gerardo Nieves, um excelente leitor de mapas e códigos secretos. Nos últimos três anos, o pai da jovem Rosita fora mantido prisioneiro e obrigado a decifrar as vinte e cinco partes de um mapa que os levaria a um grande tesouro. Que seria usado para financiar uma gigantesca operação para reerguer o regime nazista e eliminar quem nele não se encaixasse.
- Meu pai ficará seguro? – perguntou Rosita ao terminar de conferir tudo.
- Ele já está. Uma denúncia anônima de um ex-prisioneiro judeu em Bistritz colocou a Interpol no encalço do grupo há alguns dias. Seu pai foi resgatado, mas ainda está se recuperando de fraqueza causada pelas vezes em que não foi alimentado. E por uma malária que contraiu no caminho. Ele logo irá regressar à Argentina – respondeu Leopoldo a sorrir.
- E o homem que ameaçou o doutor Alvaro? – perguntou Amélie.
- Neutralizado permanentemente. E outros cúmplices que estavam por aqui também – disse Rosendo com algo de seriedade.
A Caçadora percebeu macabro tom naquelas palavras, mas não comentou. Estava feliz pelo resgate de Gerardo, embora se perguntasse como as notícias corriam tão rápido. Foi quando a morena levemente cheinha disse: - As bruxas da Europa se comunicaram conosco. Elas têm ajudado a Interpol a capturar remanescentes.
- É ótimo saber disso – disse Amélie com alívio, mas Elza logo cortou suas esperanças: - Não esqueça de que se filiou conosco, portanto, você também está implicada nisso tudo.
- Eu já disse e repito: sua filha mais velha nada tem com isso. O objetivo dela era única e exclusivamente manter o namorado seguro – disse o vampiro mulato certeiro.
- Isso se os nazistas não o pegaram, já que muita gente foi perseguida ao redor do mundo – disse Heidi tentando derrubar a irmã.
- Nem mesmo vocês poderiam me separar da minha “Flor de Durazno” – o idioma era outro, mas a leve doçura da voz era a mesma. Amélie voltou-se para a porta, esquecendo-se totalmente da roupa rasgada: - Johann? Era... você... na festa?
- Meu visual e o seu podem ter mudado, mas o meu amor por você permanece o mesmo, minha “Pfirsichblüte” – disse ele claramente emocionado.
- Como veio parar em minha casa?! – gritou Elza já furiosa.
- Sua casa nunca, sua infeliz! – exclamou Rosita visivelmente raivosa para depois apontar-lhe o dedo na cara: - Nada disso é seu! É do papai e da mamãe! Nunca mais em sua vida você porá seus pés imundos aqui! Nem você e nem essa vadia da Heidi! Vocês duas irão apodrecer na cadeia!
- Estive colaborando com membros fugitivos da Polícia Internacional durante esse tempo todo. Nós sempre tivemos como objetivo acabar com o regime de Hitler e seus malditos aliados. Eu e minha família podemos ter saído sãos e salvos da Europa, mas nem todos tiveram essa sorte. É por todas as vítimas desse regime que vou atrás de monstros como a senhora – disse Johann aproximando-se e envolvendo Amélie em um abraço saudoso e prolongado. Ela chorava de felicidade enquanto tinha novamente seu amado em seus braços agora grandes.
Foi quando a morena magra, que se apresentou como senhorita Godard, disse: - Podem vir agentes, as vagabundas estão neutralizadas.
- Vocês estão... colaborando com as autoridades? Mas... – a jovem não conseguia conter seu espanto.
- Nós fazemos o que consideramos certo. “A Patrulha do Tango” é sempre favorável àqueles que de alguma forma sofrem injustiças – disse a morena algo mais cheinha apresentando-se como Ermelinda, apelido “Linda”.
- Confesso que não sei ainda como lidar com isso tudo. Estou em choque. E desejando que essas duas sejam presas e que os carcereiros joguem a chave fora – disse Rosita tremendo.
- No que depender das provas que Thompson conseguiu e das cartas que você entregou ao Barbieri, elas não terão como escapar – respondeu Linda sorrindo.
- E eu irei colaborar com um depoimento. Direi tudo o que sei – disse Amélie ainda com lágrimas nos olhos.
- Você vai ter coragem de... incriminar sua própria família? – Elza estava raivosamente incrédula.
- Sim, irei. Você sempre soube que nunca fiz parte disso porque eu queria! – exclamou a filha mais velha em resposta.
- Deus queira que nunca mais eu olhe na sua cara, Amélie! Nesse momento sou capaz de te matar! – Heidi berrou.
- Você já é uma assassina, sua imunda – disse Rosendo jogando-a no chão.
- Como pode...?! – Elza gritou, mas parou quando viu vários homens em ternos de cores variadas entrando. O mais à frente disse: - Elza Rohm, você está presa. Qualquer coisa que você disser poderá ser usada contra você. A senhora tem direito a um advogado. O mesmo vale para a jovem Heidi. As duas venham comigo.
Amélie chorou terrivelmente vendo os agentes levarem as duas presas. Johann lhe emprestara seu paletó para que os homens da Interpol não a vissem tão despida. Consolava-a daquela perda tão doída ainda em vida. Disse-lhe: - Melhore, meu amor. Foi melhor assim0.
Rosita também ofereceu um ombro amigo: - Considere essa casa sua. Fique aqui por quanto tempo precisar. Se quiser.
- Obrigada, pequenina – ela enfim conseguia sorrir de verdade.
A jovem alegremente riu ao vê-la finalmente abrir um sorriso. Abraçou-a com felicidade.
De repente, pensou nas palavras que Juana lhe dissera no dia em que vira Thompson pela primeira vez. Perguntaria a ela sobre isso depois, pois no momento tinha mais com o que se preocupar.
- Vou deixar tudo pronto para quando o papai voltar. Não vai demorar, eu acho – suspirou a jovem aliviada.
- E quanto... a ele? – perguntou Amélie olhando-a com algo de intensidade.
- Eu ainda não sei. Tenho que saber mais sobre isso antes de decidir qualquer coisa. Juana pode me explicar disso, pois ela conhece Leopoldo e Rosendo. É uma situação completamente fora do real – disse Rosita, quando percebeu algo: - Você sabe algo sobre isso? A Elza citou algo sobre suas habilidades especiais.
- Te conto, mas duvido que você não vá se chocar – disse a mais velha observando o grupo que agora saía da casa. Apenas Leopoldo permaneceu, possivelmente querendo uma chance para se explicar.
Amélie logo explicou sobre Leopoldo Thompson ser um vampiro. Uma criatura caminhante da noite que se alimentava do sangue dos vivos, podendo enfraquecer ou matar. Tal coisa dependendo da necessidade do ser. Incapaz de tocar o dia, mas possuidor de poderes capazes de fazer qualquer valente tremer nas bases. Especialmente força e agilidade que davam de dez a zero em qualquer artista circense dos mais treinados.
Rosita impressionou-se com o que ouviu, mas queria falar com Juana para esclarecer devidamente a história. Afinal, o que ela tinha a ver com eles? Dificilmente se esqueceria de sua amiga alertando-lhe para não permitir a aproximação de Thompson.
- Não é necessário perguntar nada a ela sobre mim ou o Rosendo. Eu posso esclarecer isso – disse o vampiro envolvendo-se na conversa para depois dizer: - Juana é mãe de uma menina com habilidades especiais ou como geralmente chamamos, uma Caçadora.
- A... Sancha?! – a jovem não acreditou no que ouviu e logo replicou: - Ela tem apenas sete anos! Como é que alguém pode saber disso?
- Alguns vampiros mais poderosos ou os tipos aberrantes podem descobrir o potencial de alguém. No caso, meu mestre Yatagarasu viu isso logo que Juana chegou aqui com a filha de então um ano. Você já se perguntou por que ela nunca te disse onde mora e nunca fala da vida dela antes de chegar aqui? – Thompson a olhava algo encantado, algo desafiador.
- Porque ela está fugindo de algo ou alguém, eu imagino – Rosita observou-o atentamente.
- Não é bem isso, mas existe muita gente mal intencionada nesse mundo. Uma menina como ela seria valiosa para certos grupos criminosos que se aliam a seres sobrenaturais malignos para aumentar o poder – respondeu Thompson para o horror de todos, inclusive Johann, que até então não se envolvia na conversa.
- Deus! – exclamou Amélie sem encontrar uma resposta melhor para aquilo.
- Possivelmente ela fugia de um perseguidor ou algo parecido – Rosita cruzou os braços e logo perguntou: - Você por acaso... vive aqui?
- Eu costumo usar o porão como meu refúgio da luz do dia. Eu costumava vir tocar violão escondido aqui quando eu era garoto e essa casa era toda caída. Seu pai, logo depois que virei vampiro, salvou minha vida quando fui pego em uma armadilha montada por um Caçador racista. Como gratidão, mandei reformar a casa toda e a dei aos seus pais como presente de casamento. No entanto, não consegui abandonar a casa, então dormi aqui todo esse tempo. Foi assim que eu soube tudo o que se passou aqui. Só não podia me envolver mais porque existem ordens expressas do Rei Vampiro sobre não nos envolvermos nos assuntos humanos. Eu, porém, não pude suportar vê-la sofrer – ele via-se agoniado.
- Eu te agradeço muito, Leopoldo. Confesso que... – ela dizia quando Johann a interrompeu: - Foi você quem fez a maior parte de tudo isso. Você é corajosa e digna de admiração. Não é qualquer um que enfrenta um agente nazista desse modo.
- Concordo com você, meu amor, mas não se esqueça dos vampiros. Eles foram importantes para tornar isso possível – disse Amélie sorrindo amigavelmente.
- Ele não parece assustado com isso – a jovem olhou espantada.
- Um sussurrado não tem medo de qualquer coisa – o namorado de Amélie riu levemente.
- Então você consegue captar fatos e outras coisas tocando nos objetos, que “sussurram” no seu ouvido – Thompson olhou-o com atenção redobrada e logo disse: - É um dom interessante.
- Apesar do meu susto, tenho que concordar – Rosita riu de modo tenso.
- Eu sei que não é adequado perguntar, mas não seria melhor você descansar? – Amélie olhou para a jovem. Estava certa que depois daquela situação ela possivelmente estava exausta.
- Você tem razão. Tirei, porém, um peso dos meus ombros. Essa noite eu dormirei como não faço há anos. Desde o desaparecimento do papai, meu sono tem sido agitado e intranquilo. Hoje, será a primeira noite de uma vida feliz e realizada. Para todos nós – sorriu Rosita para o trio ali presente.
E uma existência infeliz e prisioneira esperava Elza e Heidi por pelo menos algumas décadas. Isso se não fossem deportadas para a Alemanha e condenadas à morte por fuzilamento ou enforcamento. As duas, algemadas, choravam como nunca ao perceberem seu futuro sendo brutalmente destruído. Naquele momento, a revolta por tudo dar errado tomava conta de suas mentes. Aquele bando de seres amaldiçoados não tinha razão alguma para ajudar aquela nojentinha impávida! Então por quê?! Que tinha ela de tão bom para merecer tudo aquilo enquanto elas teriam apenas a miséria, a vergonha e uma cela de prisão?!
Os apelos raivosos delas não podiam comparar-se à felicidade que emanou de Rosita desde aquela terrível noite. Um novo mundo abrira-se para a jovem Trinidad Rosa Lorens. Novos amigos, novas possibilidades, quem sabe um romance com Thompson, dela mais próximo agora que ela não o temia tanto.
E a cada dia passado, sem necessidade alguma de um príncipe encantado, ela construía o seu próprio final feliz.
Personagens:
Rosita (Visual no começo da história):
Rosita (Visual atualizado para a festa):
Amélie Rohm: https://fbcdn-sphotos-h-a.akamaihd.net/ ... a5ee550299" onclick="window.open(this.href);return false;
Elza:
Heidi: