Autora: Fernanda Queiroz
A grande contradição da língua nativa, no nosso caso, o português, é ser espelhada pelo "ja sei tudo o que preciso" e "não sei nada disso, é difícil demais". É a polarização entre a língua da minha vida e a língua da escola que foi construída pelas escolas, instituindo um muro entre o conhecimento do aluno e o conhecimento formal. Como não se estabelece um fluxo entre as duas, estabelece-se um ensino que trata a língua materna como língua estrangeira, revogando toda a complexidade da vivência humana pela linguagem.
Nenhum ser humano é dono da totalidade de uma língua, mas é dono da experiência subjetiva com ela. Significa que ninguém poderá se colocar como autoridade irrefutável no conhecimento de todas as possibilidades da língua, dado que são infinitas, mas é capaz de se apropriar da totalidade das experiências com elas, porque são finitas como o é o ser humano. Todavia, há aqueles que exploram a linguagem de propósito, crescem juntamente com o maior conhecimento que vão produzindo a seu respeito, Há aqueles que buscam aprimorar as experiências intelectuais, subjetivas mediante a desenvoltura no manejo com o português. Vão estudando, ouvindo, observando, lendo, experimentando, criando, assumindo uma postura mais reflexiva e menos reativa.
Esses conseguem mais distâncias no espaço infinito da expressão. Imagine a criança ao descobrir que seu choro gera uma reação ao seu redor, que um conjunto de sons ordenados fazem aquela mulher sorrir. Ela reage experimentando, dando suas primeiras interferências do seu existir no mundo. Ela cresce, entende o xingamento, o tabu, o elogio, o pedido, a ordem, a súplica, a ofensa.
Vai à escola e lhe dizem que tudo o que ela diz e, portanto, tudo o que ela é, já que dizer algo é dizer-se sempre, e aí emudece perante um sistema ideológico dividido entre mandar e obedecer. Então, as experiências, que não param de chegar, vão se acumulando em um engarrafamento de coisas não-ditas que irão explodir em outros flancos, seja na raiva, na fala sem propósito, no pensamento rancoroso ou deprimido. A escola deveria desafogar esse tráfego para que a movimentação do dizer seja cada vez maior. Mas coloca um sinaleiro sempre em vermelho.
Há tantas roupas para se vestir, há tantas variedades à nossa disposição, porque a variedade do documento burocrático é colocada hierarquicamente superior à variedade de nossos amores e memórias? A escola bem que tem que ofertar o terno, o paletó, a roupa de gala, mas não ao ponto da roupa de trabalhar confundir-se com a pele de quem tenta não só caber como usar essa vestimenta. É preciso estudar, ler, ouvir, interagir, construir? Sempre. O mundo construído pela linguagem é maior que o mundo não narrado, o mundo das coisas.
Ele está lá, pulsando, mas há códigos a serem conhecidos, explorados, códigos que não se aprende pelo contato simplesmente. Há que se ter o mediador, o que entende desses códigos para que a chave seja girada. Pode ser o professor, o líder religioso, o pai, a irmã mais velha. Há regras para serem conhecidas e só assim serem quebradas. O português "já-sei" tem que se misturar com o português "nunca-vou-saber". Juntos, trabalharem para o ser humano, que lhes dá existência, também possa existir.
A linguagem, abstrata, expande a intelecção das experiências concretas. A linguagem, mesmo não se entregando inteira a ninguém, é o único caminho para se alcançar a inteireza de ser.
A grande contradição da língua nativa, no nosso caso, o português, é ser espelhada pelo "ja sei tudo o que preciso" e "não sei nada disso, é difícil demais". É a polarização entre a língua da minha vida e a língua da escola que foi construída pelas escolas, instituindo um muro entre o conhecimento do aluno e o conhecimento formal. Como não se estabelece um fluxo entre as duas, estabelece-se um ensino que trata a língua materna como língua estrangeira, revogando toda a complexidade da vivência humana pela linguagem.
Nenhum ser humano é dono da totalidade de uma língua, mas é dono da experiência subjetiva com ela. Significa que ninguém poderá se colocar como autoridade irrefutável no conhecimento de todas as possibilidades da língua, dado que são infinitas, mas é capaz de se apropriar da totalidade das experiências com elas, porque são finitas como o é o ser humano. Todavia, há aqueles que exploram a linguagem de propósito, crescem juntamente com o maior conhecimento que vão produzindo a seu respeito, Há aqueles que buscam aprimorar as experiências intelectuais, subjetivas mediante a desenvoltura no manejo com o português. Vão estudando, ouvindo, observando, lendo, experimentando, criando, assumindo uma postura mais reflexiva e menos reativa.
Esses conseguem mais distâncias no espaço infinito da expressão. Imagine a criança ao descobrir que seu choro gera uma reação ao seu redor, que um conjunto de sons ordenados fazem aquela mulher sorrir. Ela reage experimentando, dando suas primeiras interferências do seu existir no mundo. Ela cresce, entende o xingamento, o tabu, o elogio, o pedido, a ordem, a súplica, a ofensa.
Vai à escola e lhe dizem que tudo o que ela diz e, portanto, tudo o que ela é, já que dizer algo é dizer-se sempre, e aí emudece perante um sistema ideológico dividido entre mandar e obedecer. Então, as experiências, que não param de chegar, vão se acumulando em um engarrafamento de coisas não-ditas que irão explodir em outros flancos, seja na raiva, na fala sem propósito, no pensamento rancoroso ou deprimido. A escola deveria desafogar esse tráfego para que a movimentação do dizer seja cada vez maior. Mas coloca um sinaleiro sempre em vermelho.
Há tantas roupas para se vestir, há tantas variedades à nossa disposição, porque a variedade do documento burocrático é colocada hierarquicamente superior à variedade de nossos amores e memórias? A escola bem que tem que ofertar o terno, o paletó, a roupa de gala, mas não ao ponto da roupa de trabalhar confundir-se com a pele de quem tenta não só caber como usar essa vestimenta. É preciso estudar, ler, ouvir, interagir, construir? Sempre. O mundo construído pela linguagem é maior que o mundo não narrado, o mundo das coisas.
Ele está lá, pulsando, mas há códigos a serem conhecidos, explorados, códigos que não se aprende pelo contato simplesmente. Há que se ter o mediador, o que entende desses códigos para que a chave seja girada. Pode ser o professor, o líder religioso, o pai, a irmã mais velha. Há regras para serem conhecidas e só assim serem quebradas. O português "já-sei" tem que se misturar com o português "nunca-vou-saber". Juntos, trabalharem para o ser humano, que lhes dá existência, também possa existir.
A linguagem, abstrata, expande a intelecção das experiências concretas. A linguagem, mesmo não se entregando inteira a ninguém, é o único caminho para se alcançar a inteireza de ser.