De vampiros portenhos e sonhos escabrosos - 14º conto:
Enviado: Qui Jan 08, 2015 12:29
Eu sei que esse conto de agora é meio inusitado, mas foi uma ideia que surgiu literalmente no susto. E que eu adorei desenvolver embora eu ainda tenha muito o que fazer pra contar a história do Leopoldo, . Espero que apreciem, .
“Notas do professor Elijah Colman:
Não era do conhecimento comum sobre como Leopoldo Belmondo* havia chegado à Argentina ou a razão de ter saído da Europa. Menos ainda se sabiam suas origens. Foi justamente seu melhor amigo que me contou esta história que agora aqui conto...
O vampiro-prior da Argentina nasceu no ano de 1504, na região espanhola da Cataluña, sendo filho de Simón José Belmondo, um comerciante espanhol e Maria dos Anjos Olmedo de Bragança, uma portuguesa nobre, ainda que não muito destacada, da região de Castelo Branco. Tinha um irmão mais velho, Carlos e treze anos depois veio uma irmã, María Luna, a quem muito apegou-se, especialmente porque a menina quase não vingara devido à complicada gravidez da mãe, já ultrapassada, pelo menos à época, para ter filhos.
Tal problema da mãe havia gerado uma promessa do menino: caso a mãe vivesse e sua irmã fosse saudável, Leopoldo prometeu que entregaria sua vida a Deus, ou seja, se tornaria padre quando tivesse idade adequada para tal.
O pai, muito relutantemente, aceitou esta vontade do filho, mesmo querendo que ele e seu mais velho Carlos cuidassem de sua fortuna quando ele já não estivesse vivo para fazê-lo. O irmão, por sua vez, achava que Leopoldo tinha potencial demais para desperdiçá-lo sendo um padreco, em sua opinião e até mesmo tentou dissuadi-lo da ideia, dizendo que a família poderia adotar um órfão para criá-lo e torná-lo futuramente padre. O jovem Leo, porém, disse que isso não era certo, insistindo em cumprir pessoalmente a promessa feita. Assim, quando fez dezoito anos, entrou para o seminário.
Destacou-se, neste caso, por sua imensa dedicação aos estudos teológicos e bíblicos e a aqueles em maior necessidade, especialmente porque ele jamais hesitava em conversar com pobres e doentes e ajudá-los e nunca havia apelado a qualquer ajuda da família para prosseguir seus estudos, achando que se sentiria melhor realizado se fizesse tudo por si mesmo, atitude que deixou muitos admirados e outros horrorizados, pois era incomum filhos de nobres fazerem trabalhos braçais ou coisa parecida, que o rapaz fazia sem piscar mesmo que nos primeiros tempos suas mãos estivessem doloridas e até mesmo sangrassem, pois até então ele não era acostumado a tais esforços.
O rapaz destacava-se mesmo por sua inteligência, porque no quesito aparência, ele não passava do termo comum, tendo olhos da cor do chocolate e os cabelos castanho-escuros, cacheados e na maior parte do tempo rebeldes devido à instabilidade natural desse tipo. Guillermo, aos risos, me disse que desde sempre é complicado manter a estabilidade dos cachos de Belmondo porque muitas vezes ele sequer se lembra de usar uma escova ou pente, preferindo manter a rebeldia de suas melenas às vezes escuras como as noites de lua nova.
Terminados seus estudos teológicos e bíblicos para sua formação, Leopoldo foi ordenado em 1527 e logo transferido a uma localidade próxima de sua casa, de onde poderia visitar seus pais e irmãos quando achasse preciso ou estivesse com falta. Destes anos não faz falta dizer algo, exceto que Carlos e o pai haviam desaparecido em 1530, após saírem para uma viagem de negócios, fato nunca esclarecido e do qual o vampiro-prior nunca se recuperou completamente.
Tirando esse triste detalhe, o resto não era importante comparado com o ano de 1534, quando Santo Íñigo (Ignácio) de Loyola fundou a famosa Companhia de Jesus, a cuja bela filosofia Belmondo logo aderiu, pois havia testemunhado tal fato por estar na França em visita a um professor do seminário que lá vivia. Nesse mesmo ano, conheceu William (Guillermo) de Sussex, um britânico também católico, e padre, a despeito da maioria religiosa inglesa ser de anglicanos. Ambos deram apoio a Loyola e seus companheiros dizendo que o mundo precisava de mais pessoas como eles.
Em razão disso, o fundador dos jesuítas e futuro santo presenteou a cada um com um crucifixo de prata, que logo se tornaria o símbolo-mor da ordem, no que Leopoldo logo se autodenominou jesuíta mesmo que a nova ordem religiosa ainda não tivesse sido oficialmente aprovada pelo Papa. O fato havia sido testemunhado, à distância por alguém que aparentava ser um mendigo leproso e que Sussex parecia conhecer, ao que, segundo o inglês, o levou a tirar seu agora amigo dali o mais rápido possível, pois temia que algo acontecesse ao adorável padre espanhol.
Os temores de Sussex estavam certos, de alguma forma, pois alguns anos depois, em 1537, quando Belmondo planejava viajar junto aos futuros padres da Companhia de Jesus para Jerusalém, este havia sofrido um violento ataque perpetrado por bandidos que queriam roubar para vender como escrava branca sua bela irmã que ali estava para visitá-lo. Tendo sofrido um ferimento de morte, o mesmo “mendigo leproso” de Montmartre atacou o então padre Leopoldo, acabando por convertê-lo no que ele realmente era: um vampiro.
Confesso que não sei como descrever o que Sussex me disse sobre os primeiros tempos de seu melhor amigo como vampiro. Posso dizer com toda a certeza que Leopoldo enfrentou um terrível período depressivo furioso, pois ele não aceitava ser incapaz de andar na luz do dia e o fato de não poder comer alimentos sólidos a não ser que bebesse sangue. Curiosamente, isto era algo que eu não sabia antes de Guillermo me dizê-lo, considerando que estudo sobre vampiros desde adolescente.
Além da inconformidade por sua “morte”, Belmondo tinha ficado muito infeliz ao saber que William não havia lhe dito que era vampiro e que a criatura que o mordera era a mesma que transformara o padre inglês, que revelou já não sê-lo há pelo menos duas décadas. A tristeza havia sido tanta que por meses o neófito espanhol não havia dirigido uma única palavra nem ao seu mestre nem ao amigo, apenas tendo a irmã como companhia. A mesma não pareceu assustar-se com o ocorrido ao irmão, já que ela sabia dele tão somente querer protegê-la quando havia sido ferido.
Guillermo, relembrando esta fase, disse que María Luna havia sido essencial para que Belmondo aceitasse melhor o que havia lhe acontecido. Pois se ele tivesse morrido definitivamente, não haveria ninguém para proteger a jovem. E só Deus sabia o que aconteceria caso os bandidos não tivessem sido definitivamente neutralizados por Solomon, pois Sussex estava em outra cidade na ocasião. Por fim, Leopoldo havia aceitado a “broma” que o destino havia lhe feito e percebeu que talvez pudesse usar seus poderes para ajudar quem precisasse. Obviamente, ele tinha de treiná-los, já que nem mesmo vampiros podiam se garantir só os tendo. Um erro muito cometido por novatos, diga-se.
Por pelo menos alguns anos Leopoldo Belmondo havia permanecido no local onde morava, continuando seus trabalhos religiosos embora se sentisse incrivelmente exausto após tais coisas, pois as missas costumavam acontecer durante o dia nos fins de semana e ele precisava fingir com esmero que ainda era um padre normal. Não ajudava que os vidros da igreja permitiam que o sol entrasse e ele se via obrigado a ficar em uma parte onde a luz solar não alcançava.
Isto, no entanto, terminou, em parte, quando Belmondo, a convite do rei Carlos I, que reconhecia sua grande inteligência e habilidade através de relatos feitos por nobres que em suas viagens passavam pelo local onde ele vivia, viajou como padre capelão junto de uma armada espanhola designada para cuidar de alguns assuntos no então Porto de Santa María del Buen Ayre, que viria a se tornar a capital argentina Buenos Aires apenas alguns anos depois. Levou consigo sua irmã ainda solteira, embora já maior de idade, que na ocasião ainda era humana.
No entanto, durante a viagem, Leopoldo teve problemas muito parecidos com os ocorridos na Espanha em razão de que todos os dias, de manhã bem cedo, tinha de fazer uma oração junto aos tripulantes para que a Virgem intercedesse por eles naquela longa viagem. Como se não bastasse ter que virar-se como podia para escapar do contato com a luz solar, teve de enfrentar o constante assédio do almirante Mariano Amenábar à María Luna, a bela dama de olhos verdes por quem o homem estava loucamente apaixonado.
Todavia, o agora “vampiro-padre” tinha a certeza de que aquele homem não servia para sua irmã e mais certo ainda estava sobre o mesmo não ter bom caráter. Se ele era capaz de maltratar os membros da tripulação por razões tão ínfimas, imagine o que seria capaz de fazer por ciúmes daquela beleza possuída por sua irmã que a tantos fascinava? Belmondo precisava impedir a qualquer custo que aquele homem possuísse María Luna de alguma forma, mesmo que para isso precisasse matar, algo que ele jurou nunca fazer enquanto vivesse. Contudo, proteger a quem amamos requer sacrifícios.
Sacrifício esse executado na noite seguinte, quando o vampiro, após todos dormirem, ficou de vigia para ver se Amenábar não tentaria fazer algo com a jovem, quando foi surpreendido por um dos membros da tripulação tentando matá-lo com um chuço de ferro, pois o “ignaro”, segundo a descrição de Guillermo, tinha a certeza de que o capelão era um monstro chupador de sangue. O marinheiro, porém, acabou por levar o pior dos danos e a confusão quase causou um acordar geral do navio, mas despertando justamente a quem Leopoldo queria matar.
Não sei exatamente os detalhes da história, pois Sussex não os deu a mim, mas Mariano foi lançado ao mar tal qual um saco de batatas podres após um ferimento no pulmão e um dos homens de maior posto assumiu o almirantado do navio, considerando Leopoldo Belmondo inocente de qualquer acusação, pois a jovem María Luna alegou, em depoimento, que seu irmão o havia matado para defendê-la, pois Amenábar tentava violá-la. Horrorizados, os tripulantes da armada trataram de seguir viagem sem nem desconfiar do verdadeiro ocorrido e menos ainda de suas consequências futuras.”
- Guillermo ficou de chegar a cinco minutos. Onde ele está? – Elijah analisava as anotações quando Margot entrou na sala acompanhada por alguém que Colman não esperava: o próprio vampiro-prior da Argentina, que entre os vampiros era conhecida como “Priorado do Rio da Prata”: - Boa noite. Apesar de... que... eu não estava te esperando.
- Meu melhor amigo achou melhor que eu mesmo continuasse a minha história, só que não poderá ser hoje embora uma coisa eu já esteja deixando clara: não vou poupar nenhum detalhe e é bem provável que você fique horrorizado com algumas coisas que ouvirá – disse o vampiro observando atentamente o professor, que disse:
- Confesso estar feliz com a sua decisão de me contar a sua história. Me parece um interessante modo de superar parte dos seus demônios internos.
- Nunca pensei em concordar com isso, mas Guillermo achou que eu deveria fazê-lo para tentar compreender alguns pontos que eu ainda hoje não consigo entender. Há muitos buracos na minha própria história. Pontos que não pude fechar ainda – disse Belmondo com certeza tristeza.
- Todos nós temos arrependimentos por coisas que fizemos ou não, decisões que poderíamos ter tomado ou conversas que poderíamos ter tido para resolver assuntos – Colman parecia ainda mais interessado na história de Leopoldo.
- Viver muito pode ser um problema, às vezes, mas não acho que possa me arrepender de ter aceitado o que o destino me deu – disse o espanhol com ar vago.
Elijah Colman, de repente, se viu estranhamente fascinado. Estava certo de que aquele conto renderia um melhor entendimento do tão complicado mundo dos vampiros.
Um expandido universo que ele ainda não compreendia mesmo já sendo parte dele.
Contos anteriores:
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*: Apenas quem jogou Castlevania vai entender de onde eu tirei esse sobrenome, .
Sobre um jesuíta – Parte 1: Os primeiros anos
“Notas do professor Elijah Colman:
Não era do conhecimento comum sobre como Leopoldo Belmondo* havia chegado à Argentina ou a razão de ter saído da Europa. Menos ainda se sabiam suas origens. Foi justamente seu melhor amigo que me contou esta história que agora aqui conto...
O vampiro-prior da Argentina nasceu no ano de 1504, na região espanhola da Cataluña, sendo filho de Simón José Belmondo, um comerciante espanhol e Maria dos Anjos Olmedo de Bragança, uma portuguesa nobre, ainda que não muito destacada, da região de Castelo Branco. Tinha um irmão mais velho, Carlos e treze anos depois veio uma irmã, María Luna, a quem muito apegou-se, especialmente porque a menina quase não vingara devido à complicada gravidez da mãe, já ultrapassada, pelo menos à época, para ter filhos.
Tal problema da mãe havia gerado uma promessa do menino: caso a mãe vivesse e sua irmã fosse saudável, Leopoldo prometeu que entregaria sua vida a Deus, ou seja, se tornaria padre quando tivesse idade adequada para tal.
O pai, muito relutantemente, aceitou esta vontade do filho, mesmo querendo que ele e seu mais velho Carlos cuidassem de sua fortuna quando ele já não estivesse vivo para fazê-lo. O irmão, por sua vez, achava que Leopoldo tinha potencial demais para desperdiçá-lo sendo um padreco, em sua opinião e até mesmo tentou dissuadi-lo da ideia, dizendo que a família poderia adotar um órfão para criá-lo e torná-lo futuramente padre. O jovem Leo, porém, disse que isso não era certo, insistindo em cumprir pessoalmente a promessa feita. Assim, quando fez dezoito anos, entrou para o seminário.
Destacou-se, neste caso, por sua imensa dedicação aos estudos teológicos e bíblicos e a aqueles em maior necessidade, especialmente porque ele jamais hesitava em conversar com pobres e doentes e ajudá-los e nunca havia apelado a qualquer ajuda da família para prosseguir seus estudos, achando que se sentiria melhor realizado se fizesse tudo por si mesmo, atitude que deixou muitos admirados e outros horrorizados, pois era incomum filhos de nobres fazerem trabalhos braçais ou coisa parecida, que o rapaz fazia sem piscar mesmo que nos primeiros tempos suas mãos estivessem doloridas e até mesmo sangrassem, pois até então ele não era acostumado a tais esforços.
O rapaz destacava-se mesmo por sua inteligência, porque no quesito aparência, ele não passava do termo comum, tendo olhos da cor do chocolate e os cabelos castanho-escuros, cacheados e na maior parte do tempo rebeldes devido à instabilidade natural desse tipo. Guillermo, aos risos, me disse que desde sempre é complicado manter a estabilidade dos cachos de Belmondo porque muitas vezes ele sequer se lembra de usar uma escova ou pente, preferindo manter a rebeldia de suas melenas às vezes escuras como as noites de lua nova.
Terminados seus estudos teológicos e bíblicos para sua formação, Leopoldo foi ordenado em 1527 e logo transferido a uma localidade próxima de sua casa, de onde poderia visitar seus pais e irmãos quando achasse preciso ou estivesse com falta. Destes anos não faz falta dizer algo, exceto que Carlos e o pai haviam desaparecido em 1530, após saírem para uma viagem de negócios, fato nunca esclarecido e do qual o vampiro-prior nunca se recuperou completamente.
Tirando esse triste detalhe, o resto não era importante comparado com o ano de 1534, quando Santo Íñigo (Ignácio) de Loyola fundou a famosa Companhia de Jesus, a cuja bela filosofia Belmondo logo aderiu, pois havia testemunhado tal fato por estar na França em visita a um professor do seminário que lá vivia. Nesse mesmo ano, conheceu William (Guillermo) de Sussex, um britânico também católico, e padre, a despeito da maioria religiosa inglesa ser de anglicanos. Ambos deram apoio a Loyola e seus companheiros dizendo que o mundo precisava de mais pessoas como eles.
Em razão disso, o fundador dos jesuítas e futuro santo presenteou a cada um com um crucifixo de prata, que logo se tornaria o símbolo-mor da ordem, no que Leopoldo logo se autodenominou jesuíta mesmo que a nova ordem religiosa ainda não tivesse sido oficialmente aprovada pelo Papa. O fato havia sido testemunhado, à distância por alguém que aparentava ser um mendigo leproso e que Sussex parecia conhecer, ao que, segundo o inglês, o levou a tirar seu agora amigo dali o mais rápido possível, pois temia que algo acontecesse ao adorável padre espanhol.
Os temores de Sussex estavam certos, de alguma forma, pois alguns anos depois, em 1537, quando Belmondo planejava viajar junto aos futuros padres da Companhia de Jesus para Jerusalém, este havia sofrido um violento ataque perpetrado por bandidos que queriam roubar para vender como escrava branca sua bela irmã que ali estava para visitá-lo. Tendo sofrido um ferimento de morte, o mesmo “mendigo leproso” de Montmartre atacou o então padre Leopoldo, acabando por convertê-lo no que ele realmente era: um vampiro.
Confesso que não sei como descrever o que Sussex me disse sobre os primeiros tempos de seu melhor amigo como vampiro. Posso dizer com toda a certeza que Leopoldo enfrentou um terrível período depressivo furioso, pois ele não aceitava ser incapaz de andar na luz do dia e o fato de não poder comer alimentos sólidos a não ser que bebesse sangue. Curiosamente, isto era algo que eu não sabia antes de Guillermo me dizê-lo, considerando que estudo sobre vampiros desde adolescente.
Além da inconformidade por sua “morte”, Belmondo tinha ficado muito infeliz ao saber que William não havia lhe dito que era vampiro e que a criatura que o mordera era a mesma que transformara o padre inglês, que revelou já não sê-lo há pelo menos duas décadas. A tristeza havia sido tanta que por meses o neófito espanhol não havia dirigido uma única palavra nem ao seu mestre nem ao amigo, apenas tendo a irmã como companhia. A mesma não pareceu assustar-se com o ocorrido ao irmão, já que ela sabia dele tão somente querer protegê-la quando havia sido ferido.
Guillermo, relembrando esta fase, disse que María Luna havia sido essencial para que Belmondo aceitasse melhor o que havia lhe acontecido. Pois se ele tivesse morrido definitivamente, não haveria ninguém para proteger a jovem. E só Deus sabia o que aconteceria caso os bandidos não tivessem sido definitivamente neutralizados por Solomon, pois Sussex estava em outra cidade na ocasião. Por fim, Leopoldo havia aceitado a “broma” que o destino havia lhe feito e percebeu que talvez pudesse usar seus poderes para ajudar quem precisasse. Obviamente, ele tinha de treiná-los, já que nem mesmo vampiros podiam se garantir só os tendo. Um erro muito cometido por novatos, diga-se.
Por pelo menos alguns anos Leopoldo Belmondo havia permanecido no local onde morava, continuando seus trabalhos religiosos embora se sentisse incrivelmente exausto após tais coisas, pois as missas costumavam acontecer durante o dia nos fins de semana e ele precisava fingir com esmero que ainda era um padre normal. Não ajudava que os vidros da igreja permitiam que o sol entrasse e ele se via obrigado a ficar em uma parte onde a luz solar não alcançava.
Isto, no entanto, terminou, em parte, quando Belmondo, a convite do rei Carlos I, que reconhecia sua grande inteligência e habilidade através de relatos feitos por nobres que em suas viagens passavam pelo local onde ele vivia, viajou como padre capelão junto de uma armada espanhola designada para cuidar de alguns assuntos no então Porto de Santa María del Buen Ayre, que viria a se tornar a capital argentina Buenos Aires apenas alguns anos depois. Levou consigo sua irmã ainda solteira, embora já maior de idade, que na ocasião ainda era humana.
No entanto, durante a viagem, Leopoldo teve problemas muito parecidos com os ocorridos na Espanha em razão de que todos os dias, de manhã bem cedo, tinha de fazer uma oração junto aos tripulantes para que a Virgem intercedesse por eles naquela longa viagem. Como se não bastasse ter que virar-se como podia para escapar do contato com a luz solar, teve de enfrentar o constante assédio do almirante Mariano Amenábar à María Luna, a bela dama de olhos verdes por quem o homem estava loucamente apaixonado.
Todavia, o agora “vampiro-padre” tinha a certeza de que aquele homem não servia para sua irmã e mais certo ainda estava sobre o mesmo não ter bom caráter. Se ele era capaz de maltratar os membros da tripulação por razões tão ínfimas, imagine o que seria capaz de fazer por ciúmes daquela beleza possuída por sua irmã que a tantos fascinava? Belmondo precisava impedir a qualquer custo que aquele homem possuísse María Luna de alguma forma, mesmo que para isso precisasse matar, algo que ele jurou nunca fazer enquanto vivesse. Contudo, proteger a quem amamos requer sacrifícios.
Sacrifício esse executado na noite seguinte, quando o vampiro, após todos dormirem, ficou de vigia para ver se Amenábar não tentaria fazer algo com a jovem, quando foi surpreendido por um dos membros da tripulação tentando matá-lo com um chuço de ferro, pois o “ignaro”, segundo a descrição de Guillermo, tinha a certeza de que o capelão era um monstro chupador de sangue. O marinheiro, porém, acabou por levar o pior dos danos e a confusão quase causou um acordar geral do navio, mas despertando justamente a quem Leopoldo queria matar.
Não sei exatamente os detalhes da história, pois Sussex não os deu a mim, mas Mariano foi lançado ao mar tal qual um saco de batatas podres após um ferimento no pulmão e um dos homens de maior posto assumiu o almirantado do navio, considerando Leopoldo Belmondo inocente de qualquer acusação, pois a jovem María Luna alegou, em depoimento, que seu irmão o havia matado para defendê-la, pois Amenábar tentava violá-la. Horrorizados, os tripulantes da armada trataram de seguir viagem sem nem desconfiar do verdadeiro ocorrido e menos ainda de suas consequências futuras.”
- Guillermo ficou de chegar a cinco minutos. Onde ele está? – Elijah analisava as anotações quando Margot entrou na sala acompanhada por alguém que Colman não esperava: o próprio vampiro-prior da Argentina, que entre os vampiros era conhecida como “Priorado do Rio da Prata”: - Boa noite. Apesar de... que... eu não estava te esperando.
- Meu melhor amigo achou melhor que eu mesmo continuasse a minha história, só que não poderá ser hoje embora uma coisa eu já esteja deixando clara: não vou poupar nenhum detalhe e é bem provável que você fique horrorizado com algumas coisas que ouvirá – disse o vampiro observando atentamente o professor, que disse:
- Confesso estar feliz com a sua decisão de me contar a sua história. Me parece um interessante modo de superar parte dos seus demônios internos.
- Nunca pensei em concordar com isso, mas Guillermo achou que eu deveria fazê-lo para tentar compreender alguns pontos que eu ainda hoje não consigo entender. Há muitos buracos na minha própria história. Pontos que não pude fechar ainda – disse Belmondo com certeza tristeza.
- Todos nós temos arrependimentos por coisas que fizemos ou não, decisões que poderíamos ter tomado ou conversas que poderíamos ter tido para resolver assuntos – Colman parecia ainda mais interessado na história de Leopoldo.
- Viver muito pode ser um problema, às vezes, mas não acho que possa me arrepender de ter aceitado o que o destino me deu – disse o espanhol com ar vago.
Elijah Colman, de repente, se viu estranhamente fascinado. Estava certo de que aquele conto renderia um melhor entendimento do tão complicado mundo dos vampiros.
Um expandido universo que ele ainda não compreendia mesmo já sendo parte dele.
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