Mal deu tempo para entender o que o último acordo ortográfico fez com o acento de voo, com o hífen de antissocial e com o trema de cinquenta, e uma nova proposta, ainda mais radical, já está em elaboração pela Comissão de Educação do Senado.
A partir de 2016, se entrar em vigor o projeto que pretende fasilitar o ensino e a aprendizajem da língua portugeza, vosê poderá ser obrigado a escrever asim (leia outros exemplos abaixo).
As (mais recentes) novas regras para o português devem ser apresentadas pelo grupo técnico da Comissão de Educação até 12 de setembro. Elas podem alterar as mudanças que tinham obrigatoriedade prevista para o fim de 2012, foram prorrogadas por quatro anos, e que, até agora, quase ninguém aprendeu direito. Além de reduzir o número de regras e exceções na língua, o objetivo da comissão é expandir o debate com a comunidade, especialistas e países que falam o português.
— O projeto estava entrando em vigor sem ter sido discutido no Brasil. A Academia Brasileira de Letras (ABL) estava fazendo uma reforma sozinha, de um jeito muito conservador. Então pedimos o adiamento do prazo de obrigatoriedade e montamos uma comissão para propor novas regras, simplificar a ortografia e, principalmente, padronizar a gramática com outros países — afirma o presidente da comissão, senador Cyro Miranda (PSDB-GO).
Como senador não palpita sobre a presença ou a ausência de "cê-cedilha, hagá ou ceagá", dois especialistas foram chamados para coordenar o grupo técnico: os professores de português Pasquale Cipro Neto e Ernani Pimentel, responsável pelo site simplificandoaortografia.com — que fomenta um movimento para "substituir o decorar pelo entender" e reúne pitacos de quem se interessar pelo assunto.
— Por enquanto estamos juntando sugestões. Pretendemos redigir o conjunto de regras e apresentar entre 10 e 12 de setembro, no Simpósio Internacional Linguístico-Ortográfico da Língua Portuguesa, em Brasília. Esse projeto será levado ao Senado, que irá realizar uma audiência pública para ouvir todos que quiserem contribuir — diz Pimentel.
A polêmica não deverá ser pequena. Para a doutora em Filologia Românica e professora do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Unisinos, Dorotea Kersch, a proposta é um "absurdo, a legítima falta de ter o que fazer".
— Não existe língua fácil ou língua difícil. Cada língua tem sua história e suas especificidades. Não é simplificando a ortografia que resolvemos os graves problemas de leitura e escrita de nossos alunos, que são escancarados a cada avaliação sistemática. Quem sabe os senadores se preocupam com coisas que realmente impactam o ensino, como salário de professores, ou uma política de ensino de língua adequada às diferentes realidades do Brasil — rebate.
Conheça regras que devem ser propostas pela CE:
Fim do H no início da palavra:
Homem - Omem
Hotel - Otel
Hoje - Oje
Humor - Umor
G fica som de "gue":
Guerra - Gerra
Guitarra - Gitarra
CH substituído por X:
Chá - Xá
Flecha - Flexa
S com som de Z vira Z:
Asa - Aza
Brasília - Brazília
Base - Baze
X com som de Z vira Z:
Exame - Ezame
Executar - Ezecutar
C antes de E e I vira S:
Censura - Sensura
Cedo - Sedo
Cidade - Sidade
SS vira S:
Gesso - Geso
Fossa - Fosa
SC antes de E e I vira S:
Nascer - Naser
XC com som de S vira S:
Exceto - Eseto
Excêntrico - Esêntrico
O que mudou com o acordo de 2008:
O último acordo acabou com o trema, alterou 0,5% das palavras utilizadas no Brasil (1,6% da grafia usada em Portugal) e incorporou as letras "k", "w" e "y" ao alfabeto. O acento agudo desapareceu nos ditongos abertos "ei" e "oi" em palavras como "idéia" e jibóia" e nas palavras paroxítonas com "i" e "u" tônicos, quando precedidos de ditongo em palavras como "feiúra". O acento circunflexo deixou de ser usado em palavras com duplo "o", como "enjôo", e na conjugação verbal com duplo "e", como vêem e lêem. O temido hífen desapareceu em palavras em que o segundo elemento comece com "r" e "s", como "anti-rábico" e "anti-semita" — cuja grafia passou a ser "antirrábico" e "antissemita". O hífen foi mantido quando o prefixo termina em "r", como "inter-racial".
Confira abaixo a entrevista com o professor de português Ernani Pimentel, um dos coordenadores do grupo técnico da Comissão de Educação do Senado.
Zero Hora — Que mudanças devem ser propostas?
Ernani Pimentel — O hífen pode ser abolido. Ele não existia no latim. Antes do acordo, ninguém sabia as regras antigas. Agora, ninguém sabe as regras atuais também. Ponto. Significa que não funciona. Outro problema é o do "j" e do "g". Esses dias vi duas placas em Genipabu, uma tinha a inicial "G" e a outra "J". É uma confusão. Como se resolve isso? Transformando a letra "G" em "gue". Todo som que tenha o "u" no meio, vai ser com "g". O resto, como Genipabu, vai ser escrito com "J".
ZH — E o "ch" e o "x"?
Pimentel — A regra do "x" e do "ch" é muito simples (ironia): as palavras indígenas, árabes e de origem africana são escritas com "x". Agora, quem é que sabe das origens das palavras?
ZH — E o que esse projeto elaborado pelo grupo técnico pretende?
Pimentel — Fazer com que a escrita e a leitura sejam mais simples. As novas regras não vão mexer na língua. Tem muita gente mal informada em relação a isso. Se eu escrever "casa" com "z", ela vai continuar sendo um substantivo, funcionando como objeto direto, como predicativo do sujeito, etc. A língua continua do jeito que é, só vai mudar a forma de escrever.
ZH — Por que a obrigatoriedade do acordo teve de ser adiada do fim de 2012 para 2016?
Pimentel — O acordo teve muitos problemas para ser implantanto. Vou te dar um exemplo. Não existe um professor que consiga dizer: "eu sei as regras ortográficas". E se o professor não souber, ninguém vai saber. Esse projeto foi feito a portas fechadas, não houve discussão. A Academia Brasileira de Letras (ABL) e a Academia das Ciências de Lisboa decidiram sozinhas, sendo que elas não têm conhecimento suficiente para isso. Cada uma tem apenas um filólogo, que é o que entende de língua. Então foram duas pessoas que definiram um acordo todo.
ZH — E os outros países de língua portuguesa?
Pimentel — Os outros países assinaram o acordo em uma semana em que estiveram em Portugal bebendo vinho, sem entender direito. Esse acordo foi assinado em 1990 e ficou parado um tempo. Dezoito anos depois, ele foi transformado em lei. Só que o pior ainda é que essas regras ortográficas haviam sido discutidas em 1975, o que significa dizer que você vai colocar em vigor uma maneira de pensar da época da ditadura, com base no "decoreba".
ZH — E como o Senado entrou no processo?
Pimentel — O Senado ouviu reclamações de muitas pessoas da sociedade e acabou fazendo duas audiências públicas. A ABL foi chamada, assim como o Ministério da Educação (MEC). Nenhum dos dois foi. O governo se ausentou porque não tinha o contra argumento. A ortografia é um patrimônio de todo mundo e o debate aberto deve ser provocado.
ZH — Mas essas mudanças deverão encontrar uma enorme resistência...
Pimentel — Pergunto para você, o que você acha dessas ideias?
ZH — Bom, acho que teria medo de desaprender o pouco de gramática que já sei...
Pimentel — Você não vai desaprender o que sabe. Você vai é aprender o que nunca soube. Tudo vai ficar mais fácil, as pessoas vão optar pelo comodismo. Não temos dúvida de que a ortografia tem que ser simplificada para melhorar o ensino no Brasil e nos outros países também. As regras de hoje deixam os alunos com trauma de escrever e de ler. E se eles não sabem isso, não aprendem nada.
Fonte: ZeroHora
Comissão do Senado quer acabar com a língua portuguesa
- Parallax
- Administrador
- Mensagens: 21268
- Registrado em: Seg Nov 15, 2010 07:30
- Texto Pessoal: EU SOU A LEI!!
- Contato: