De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 26º conto

Venha bater aquele papo furado. Área típica para flood.
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Lady Carmilla DWFan
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De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 26º conto

Mensagem por Lady Carmilla DWFan »

Enfim, a terceira parte da agora Tetralogia dos Espantos, :D . Os dois primeiros contos vocês podem ler nos seguintes links: La primera noche (viewtopic.php?f=53&t=10081" onclick="window.open(this.href);return false;) e La segunda noche (viewtopic.php?f=53&t=10391" onclick="window.open(this.href);return false;). Espero com a mais absoluta sinceridade que apreciem, :mrgreen: .

La tercera noche de los espantos


Rebeca olhava novamente a carta chegada às suas mãos pela manhã. Era uma convocação para depor. De novo aquilo? Já não tinha sofrido demais com aquela história há sete anos? A perda da então melhor amiga fora um duro golpe. Passara meses chorando pela morte de Ana Maria. Para piorar, a polícia nunca encontrara o assassino. E muitas pessoas acabaram dizendo coisas terríveis sobre ela. Boatos horrendos causaram a mudança da família para um local desconhecido. Tudo apenas porque ela não tinha seguido seu conselho de não ir aquele local naquela hora. Ela, porém, não sabia quem iria encontrar-se com Ana, mas sabia o motivo: sua amiga queria terminar a relação por ter se apaixonado por alguém melhor.
A pobre moça, no entanto, não tivera a boa sorte de continuar vivendo para ser feliz. Rebeca, por sua vez, lidara com a dor daquela perda apenas com a ajuda de Deus, sua mãe e Teresa, sua melhor amiga desde então. O rapaz por quem Ana se apaixonara também a consolara, mas logo sumira sem dar explicações. Sua mãe, Jazmín, sempre afirmava que a menina nada fizera de errado, mas os outros preferiam acreditar que ela era culpada de algo. Sempre era assim: a mulher tinha culpa de tudo, até mesmo de ser brutalmente morta. Por essas e outras, Doña Jazmín preferia manter distância dos vizinhos. Rebeca se dava bem com alguns. Para outros, ela sequer olhava.
Sairia antes do almoço. Não tinha mais apetite após ler aquela correspondência. Achava melhor ir de uma vez por todas. Torcia para que a reabertura do caso afinal trouxesse a verdade à tona. Rebeca não sabia, porém, como seu depoimento seria recebido. Ao sair do cortiço onde vivia, deparou-se com um carro. Achou melhor ignorá-lo. Foi em direção à parada do bonde, pois a distância da delegacia era grande. Percebeu-se sendo seguida pelo veículo. Apressou o passo ao notá-lo cada vez próximo. De repente, esbarrou fortemente com um homem, que a ajudou a não cair...
- Suponho que precisa de ajuda. Sua pressa indica problemas.
- Aquele carro... – ela dizia quando ele retirou do bolso o que parecia uma carteira e a abriu: - Inspetor Aretaga, da polícia. Eu a levo até onde você precisa ir.
- Obrigada. Preciso ir à delegacia depor. Recebi uma carta não faz muito – disse ela aceitando a companhia dele enquanto os ocupantes do carro não pareciam nada felizes. Eram dois homens mal encarados.
- Excelente saber que a recebeu, senhorita. Fui eu que enviei – sorriu ele para o espanto da jovem: - O senhor não está longe demais do seu departamento?
- Costumo vir aqui comer. As medialunas salgadas de Doña Coralina são as melhores. Ela costumava me dar um prato de almoço grátis quando eu era patrulheiro nestas bandas – respondeu ele alegre.
A florista novamente viu o espanto tomá-la: - Eu devia ser muito pequena então, porque não me recordo do senhor.
Ele sorriu: - Foi no começo da minha carreira. Eu era um rapazote. Fui promovido pouco antes de fazer trinta.
- Imagino. Eu só... – Rebeca não conseguiu completar a frase, mas Aretaga o fez: - Imagino suas dúvidas. Acho melhor a senhorita vir comigo. Na delegacia eu explicarei melhor.
Os dois finalmente foram para a delegacia. O trajeto no carro policial durou dez minutos, metade do tempo do bonde. A jovem acomodou-se em um banco diante de um escrivão. Aretaga mostrou a ela o papel ainda intacto contendo o depoimento dado anos atrás: - Há algo que você queira acrescentar? Qualquer coisa pode ajudar. Especialmente para confirmar o que já temos, pois há uma confissão.
- Confissão de quem? – Rebeca pôs a mão na boca horrorizada.
- Eu só posso dizer depois de ouvi-la, senhorita – respondeu o inspetor firme.
Ela releu aquele depoimento. Percebeu as palavras ainda vívidas em sua memória. Recordava-se de outras coisas ocorridas algum tempo antes da trágica morte de Ana Maria. Não sabia, porém, se elas eram importantes. Contudo, Aretaga disse que qualquer coisa serviria. Afinal, a moça contou outros detalhes que, na época, ela achou irrelevantes.
- Então vocês duas eram bolsistas em uma escola particular? – o inspetor olhou a jovem após sentar-se.
- O meu pai adotivo conseguiu que nós duas fôssemos aceitas. Um favor que a diretora da escola devia a ele – respondeu Rebeca suspirando para depois dizer: - No entanto, as moças ricas nunca nos viram com bons olhos, especialmente uma chamada Marisa. Sempre procurei não me meter em problemas até porque não sou disso, mas não foram poucas as vezes que discuti com ela para defender Ana Maria. O senhor certamente sabe que ela descendia de índios.
- Eu revi todos os arquivos do caso. O reabri por ter encontrado um sem número de problemas não resolvidos. Não achei justo que essa história ficasse assim – o inspetor parecia sincero, mas a florista tinha a certeza de algo mais...
- O senhor encontrou alguma prova nova?
- Os pais dela vieram com algumas evidências após pedirem ajuda de uma investigadora particular. Eles se tornaram bem sucedidos após um negócio bem feito e acabaram ricos nos últimos anos. Tiveram um casal de gêmeos dois anos depois de a filha falecer – respondeu Aretaga para surpresa da florista, que em seguida sorriu...
- Sempre desejei que eles pudessem reencontrar a felicidade depois dessa tragédia. Estou feliz demais por vê-los prósperos. Só há uma pergunta, porém: investigadora particular?
- Eles não me deram muitos detalhes sobre, mas disseram que ela foi de grande ajuda – disse ele de volta.
- Ver mulheres investigadoras não é muito comum, mas achei fantástico – a florista sorriu um pouco ao dizer aquilo.
- As mulheres estão conquistando seu lugar de direito neste mundo. Um lugar que jamais deveria ter sido negado – disse o inspetor ao que o escrivão o olhou balançando a cabeça.
Rebeca espantou-se e lembrou-se das palavras de Loredano: - O senhor é bem diferente das pessoas que conheço.
- Se estudarmos a História com maior profundidade, veremos muitas mulheres que fizeram bem mais que um exército inteiro de homens – disse ele para complementar com certa tristeza: - Infelizmente, porém, ninguém se importa como deveria. E todo mundo sai prejudicado pelos atos imbecis de alguns.
Ela impressionou-se com a inteligência do policial. E também com a expressão de incredulidade do escrivão. Na verdade, estava encantada pela educação e modos do inspetor. Até mesmo estava alegre diante dele, coisa difícil quando não conhecia a pessoa tão bem. Pelo jeito, entretanto, Aretaga, ou Arturo, seu primeiro nome, era uma pessoa especial com um grande coração: - Definitivamente, estou gostando muito do senhor. Mostra-se uma pessoa como poucas que se encontram hoje.
Tanto quanto a inteligência e modos dele, o que encantava a Rebeca também eram os traços orientais e o sorriso perfeito. Ele era, depois de Magaldi, o homem mais bonito que ela conhecera até então. Pela aparência, ele devia estar próximo dos quarenta anos. Disse: - Você descende de... japoneses, imagino.
- Meu pai era um imigrante japonês na Espanha e minha mãe espanhola nativa. Nasci pouco depois da chegada dos meus pais à Argentina – respondeu ele para depois dizer: - Adoraria continuar essa conversa, mas acho que você tem de ouvir mais alguns depoimentos antes que eu te diga sobre o descoberto.
- Qualquer coisa para esclarecer a morte da Ana Maria e limpar o nome dela – respondeu a florista determinada.
Não demorou muito até uma senhora convocada pelo inspetor entrasse. Rebeca reconheceu-a de imediato...
- Dona Heloisa?
- Não... não pode ser! É você, ‘señorita’ Rebeca?! – ela sorria largamente.
- Quantos anos, minha boa senhora. Pensei que nunca mais nos veríamos – disse ela com uma ponta de tristeza.
- Nem me diga, senhorita Rebeca. Este bom homem à nossa frente vai finalmente esclarecer a verdade por trás da morte daquela pobre senhorita. E finalmente eu posso contar o que sei – suspirou a pobre senhora.
- Então...? – Rebeca perguntaria, mas Heloisa logo disse: - Tem coisas que não contei naquele tempo porque ainda trabalhava com a família de Marisa. Não podia arriscar o meu emprego e o futuro dos meus familiares. Agora, porém, que saí daquela casa, posso finalmente limpar a minha consciência. Ana Maria e Marisa mereciam melhor sorte. Ambas foram vítimas de um sociopata psicótico.
A florista aterrorizou-se ouvindo aquilo. “Quem teria sido tal pessoa?”, pensou ela apavorada. Aretaga, após colocar uma caixa sobre a mesa, sinalizou para ela dar o depoimento. Cada palavra criava horror na expressão de Rebeca. Ela não podia acreditar no que ouvia. Sempre achou Felipe, o bardo uma pessoa mau caráter e pouco confiável, mas nunca havia pensado que ele era tão frio, calculista e inescrupuloso. E pensar que era ele o “namorado misterioso” com quem ela estava indo romper na noite de sua morte. Poderia ser...?! Ela se recusava a acreditar naquela possibilidade. Era terrível demais!
- A senhora quer dizer que ele pode...? – a jovem interrompeu-se chorando.
- Infelizmente tenho certeza – respondeu Heloisa com tristeza, mas feliz por livrar sua consciência daquele peso.
- É exatamente isso o que nós descobrimos – disse Aretaga triste e sério.
Rebeca logo percebeu que alguma coisa não estava encaixando: como ele podia estar confessando um crime se ela o vira morrer naquela noite na Chacarita?! Tremeu sem que os outros notassem. Perguntou quase chorando: - Como aconteceu? Ele não estava desaparecido?
- Ele estava até que a investigadora da qual eu falei telefonou me dizendo sobre ele estar no hospital após sofrer um ataque violento – respondeu o inspetor.
A florista tremeu ao lembrar-se daquela noite na Chacarita. Surpreendeu-se ao imaginá-lo ainda vivo após ser sugado quase até a morte por um vampiro sedento por sangue. A surpresa de repente foi substituída pelas tristes lembranças daquela época, quando se enlutou pela amiga morta. O pranto chorado durou pouco. Olhou com dureza, ódio:
- Eu quero vê-lo apodrecer na prisão! Aquele bastardo não tinha o direito!
- Ele confessou tudo. Não se conformava de estar perdendo Ana Maria e muito menos desejava que ela contasse algo à Marisa. Se ela pensasse em dizer algo, as chances dele com ela estariam arruinadas – o inspetor dizia sério e continuou:
- Um claro caso de assassinato por motivos torpes, especialmente queima de arquivo e interesse. E possivelmente o carro que estava seguindo Rebeca quando a encontrei pertence à senhorita Marisa, só que utilizado pelos criados. Ela provavelmente acredita na inocência do maldito. E acha que a senhorita Tsekub é uma mentirosa desejando arruinar o homem que ela ama.
- Com as provas que o senhor decerto tem, ela terá de ver a verdade – disse a florista determinada.
- Que Deus ouça tuas palavras, menina – Heloisa crispou as mãos em uma oração silenciosa.
Ninguém imaginava, mas a “noiva” em questão estava presente. Esperava falar a sós com Aretaga. Exigiria as provas. Queria ver com seus próprios olhos se era tudo verdade. Ela desejava que fosse só um blefe, mas algo lhe dizia o contrário. Na verdade, não era de agora sua desconfiança. Um ano pelo menos. Especialmente quando Felipe saía com a irmã Susana, de quem a rica jovem decididamente não gostava. Tratava-a bem, mas preferia manter distância porque algo naquela jovem repelia Marisa com força. Esperou algum tempo até que sua antiga cozinheira e a florista oficializassem os depoimentos com assinaturas. E mais um pouco aguardou, escondida, até que elas tivessem saído de vez.
Marisa anunciou sua chegada. Foi prontamente recebida já com as provas na mesa do inspetor. Ela não sorria:
- Aretaga, eu acho melhor que tudo isso tenha algo de verdade. Se eu souber que há apenas uma mentira nisso tudo, movo céus e terra para libertar o meu noivo. E faço você perder o emprego. Imagino que você sabe que eu sei seu segredo.
- Você realmente acha que eu faria isso de maneira gratuita? Por favor, a senhorita me conhece melhor que isso – respondeu ele retirando tudo da caixa com o máximo de cuidado.
Marisa olhou-o séria, porém, desanuviou. Ela sabia muito bem do caráter de Aretaga. O inspetor fazia até o impossível para conseguir justiça, mesmo isso envolvendo meter-se com gente grande. Arturo era destemido. Muitas vezes, também inconsequente. A jovem, após indicação dele, observou cada prova com olhos atentos. Só não as pegou porque não era permitido. Demorou pelo menos três quartos de hora até olhar tudo. Incluindo a confissão assinada. Infelizmente, a intuição contra que a perturbava há doze meses confirmou-se...
- Me diz, Arturo, você já se sentiu como se a sua vida de repente perdesse todo o sentido? – Marisa chorava e dizia em seguida: - Simplesmente não tem como entender. Eu... acreditava nele.
- Foi assim que me senti quando descobri o que e quem de fato eu era. Eu era criança, mas já sabia de algo errado comigo. Só quando cresci é que pude me libertar – respondeu ele para depois dizer a ela: - Pelo menos agora você sabe a verdade. É sua escolha agora. Você pode entrar em negação ou aceitar os fatos que te dei. Te aconselho a segunda opção, pelo seu próprio bem.
- Eu... quero... agradecer a essa detetive. Tem como eu contatá-la? – Marisa sentia a negação querendo tomar conta, mas ela não permitiria. Os fatos tais como eram estavam bem ali. Não tinha como simplesmente contrariar. A confissão dissera absolutamente tudo o que ela tinha de ter sabido desde anos antes. Ela, porém, tinha ficado cega de amor. De certa forma, continuava, afinal, ainda o amava. Os sentimentos haviam coberto sua razão, mas agora não mais. Não podia simplesmente continuar nessa situação. A revelação do verdadeiro caráter de Felipe mudara tudo. Mesmo que custasse muito sofrimento, iria esquecê-lo.
- Marisa, acho melhor você sair de cena depois que tudo isso terminar. Uma viagem te faria bem. Costumava fazer quando você adoecia por causa dos pulmões. Posso eu mesmo dizer isso a detetive? – Aretaga sorriu carinhosamente.
- Terei mesmo que depor? – perguntou ela com agonia para depois responder: - Tudo bem. Acho que é melhor assim. Porque realmente pretendo sumir quando essa história chegar ao fim. Um tempo na Norte América vai me ajudar.
Arturo assentiu levemente e terminou os procedimentos com Marisa. O inspetor logo pensou: aquela trágica história tinha finalmente chegado ao fim. Mal sabia ele que pelo menos uma aresta ainda não havia sido aparada.
...
O julgamento de Felipe Montez Brancov tinha acabado com o veredicto de culpado. E uma sentença de 50 anos de prisão sem direito a condicional. Por sorte ou talvez um milagre, a imprensa não aparecera para criar um circo. Afinal, a família da rica jovem prezava pela discrição.
Pela primeira vez em muito tempo, Rebeca e Marisa haviam se falado sem brigar. Uma conversa não muito longa porque ela queria sumir dali. Preferencialmente, não voltar por um longo tempo. A florista acenou educadamente enquanto ela se afastava, com o coração enlutado e partido pela dor de um amor acabado.
Em uma parte escondida, a irmã de Felipe soluçava de raiva pelo ocorrido. Susana vira, em pouco mais de horas, seus sonhos sendo destruídos. Ao mesmo tempo, sentia ódio do irmão. Pois ele tinha feito a burrada de encontrar-se com a maldita Ana Maria naquela noite. Felipe tinha mesmo de perder a cabeça e empurrá-la de cima da ponte?! E para piorar, ele nem mesmo sabia esconder provas de maneira decente. Tinha, no entanto, de admitir que a tacanhice da polícia fora de muita utilidade naqueles sete anos. E com mais ódio ainda, admitia que Aretaga era apenas um dos responsáveis por sua vida ter-se estragado sem volta. Não apenas ele, mas todos que deram depoimentos contra seu irmão.
Susana fez dois juramentos naquele minuto. O primeiro: nunca mais chorar novamente. O segundo: vingar-se de todos os causadores da prisão de Felipe. Começando pela florista nojenta que há anos era sua vizinha. Já tinha um plano em mente. Ela só precisava de um convite.
...
Teresa arrumava-se usando a penteadeira de Rebeca. A jovem muito relutantemente aceitara o convite da amiga para ir à festa organizada pelo famoso Don Rodolfo Soler...
- Tem certeza de que isso é uma boa ideia? Não sei, temo que não sejamos bem vistas.
- Minha amiga, eu conheço Don Rodolfo e sei que ele não se importa. Além do mais, nós andamos precisando de uma folga depois do que passamos recentemente – respondeu a modista.
- Entendo, mas, eu nunca usei esse tipo de vestido e muito menos joias desse quilate. Jura mesmo que foi a sua patroa quem te deu essas roupas e emprestou esses conjuntos de pérolas, esmeraldas e diamantes? – Rebeca não acreditava nas coisas que a amiga havia mostrado. Apavorava-se com a ideia de sair usando tudo aquilo.
- Becca, você já devia saber que a Doña Mariquita me considera uma filha. Ela inclusive está pensando em me deixar como dona da loja quando faltar. Já que os filhos dela não se interessam pelo negócio, ela diz que eu seria merecedora. Sei, no entanto, que a família dela vai implicar. Afinal, as noras dela já deram mostras de que me detestam – Teresa suspirou enquanto terminava de se maquiar. Entretanto, Rebeca, sem saber, tinha razão em um ponto: aquelas joias não eram de Mariquita, mas da amiga, dadas por um admirador secreto. As roupas, ao seu turno, eram “recompensas” dadas pela patroa para compensar as muitas horas extras da funcionária.
- Considerando os seus desejos de subir alto, eu não duvido. Afinal, no ponto de vista delas e até mesmo no dos filhos dela, você é uma interesseira aproveitadora – a florista olhou seriamente a amiga para depois dizer: - Não que eu ache você tal coisa, mas, a maneira como você pensa e planeja costuma me apavorar.
- Becca, todos nesse mundo têm desejos, sejam quais forem. Apenas me aproveito disso para meu benefício – disse a modista sorrindo enquanto maquiava a amiga.
- Desejo com força que você não se meta em encrencas por conta disso. Você não tem mínima ideia do medo que tenho quando você arma um dos seus muitos planos mirabolantes para conseguir amizades com gente do “alto escalão” social – Rebeca considerava Teresa a irmã que a mãe nunca lhe dera. E se preocupava a pontos alarmantes em razão disso.
Doña Jazmín as observava. Tinha sérios problemas em gostar da melhor amiga da filha. Sabia que, embora a modista ganhasse mais que a maioria, ela sonhava com um casamento endinheirado. Mesmo que sem amor, o que deixava a senhora bastante injuriada. Ela tinha, porém, a certeza de que sua amada menina seria capaz de colocar algum juízo naquela cabeça onde dois olhos azuis brilhavam alegres.
Ao mesmo tempo, todavia, Teresa despertava-lhe um misto de repulsa e piedade. Admirava a coragem dela, mas odiava sua falta de limites para chegar onde queria. Ela se perguntava se teria feito a mesma coisa se tivesse sua beleza e juventude. Estava certa, porém, de que nunca teria tanta coragem. A mesma não havia faltado, contudo, quando se envolvera com o pai de sua filha, sumido logo após eles ficarem juntos. O infeliz jamais soubera ter tido uma filha. Talvez já estivesse até morto. Quem sabe fosse melhor assim. Já bastava o sofrimento pelo qual passou para criar Rebeca sozinha por quase oito anos.
Viu as duas saírem do quarto. Estavam lindas. Rebeca trajava um lindo vestido de tafetá azul marinho junto de refinados scarpins pretos. E mais um conjunto de pérolas misturadas a diamantes composto por pulseira, colar e brincos. Já Teresa usava um traje de seda pura em cor de vinho junto do mesmo tipo de sapato. Além de um conjunto de esmeraldas pontuadas por diamantes de alto quilate, composto apenas por colar e brincos.
A mãe, porém, achava o vestido da filha um tanto ousado, embora a intenção fosse exalar elegância: - Eu já sei que vai perguntar minha opinião, Teresa. Admito que, apesar da cor ser muito bonita, achei um pouco justo demais. Especialmente na parte do busto. Tem certeza de que é adequado Rebeca sair desse jeito? Você podia ter arrumado um vestido menos escandaloso.
- Doña Jazmín, se a senhora visse o que algumas moças andam vestindo recentemente, a senhora com certeza pensaria que esse vestido usado pela Rebeca é um hábito de freira – respondeu Teresa ao que a florista olhou as duas ficando vermelha: - Mamãe, sei seus pensamentos, mas, acalme-se, ficarei bem. Nós duas sabemos nos cuidar. Além do mais, em uma festa como aquela dificilmente vai entrar algum rufião.
- Por favor, filha, não diga isso. Nunca mais quero ouvir essa palavra de novo. Já basta todos os anos que tivemos de conviver com aquela maldita gangue aprontando todas nesse lugar. E ainda temos de continuar convivendo com aquela cobra da Susana – a mãe da florista entrecortava as palavras com raiva.
- Confesso que até agora estou admirada dela não ter se envolvido no caso da Ana Maria. A cara de choque dela foi tão forte que ficou marcada na minha mente – disse a modista estupefata.
- Do jeito que o Felipe adora a Susana, é possível... – Rebeca dizia raivosamente quando foi interrompida pela amiga:
- Becca, eu vou ser muito sincera: levando em conta as estranhas circunstâncias em que ele fez aquela confissão, duvido muito dele ter feito algum sacrifício nobre. Além do mais, ele seria capaz de vender a própria irmã para obter o desejado.
- É uma das poucas vezes que faço isso, mas concordo com Teresa. O Bardo realmente não tem escrúpulo algum – Jazmín enojava-se ao se lembrar do juízo.
- Ainda sim, eu tenho de concordar com a mamãe: a Susana é uma maldita cobra. Quase sempre ela foi, de algum modo, a mentora das tramoias do Felipe. Estou surpresa mesmo é como nunca a prenderam. Não era desconhecido que alta inteligência não era o forte dele. Tanto é que várias provas contra ele foram encontradas sete anos após o crime graças ao empenho de uma investigadora particular – disse a florista para o espanto da mãe e da amiga.
- Isto explica muita coisa, especialmente a quase nenhuma demora em sentenciá-lo culpado – Teresa horrorizou-se.
- E o fato que a namoradinha não fez esforço algum para salvá-lo. Possivelmente ela viu as provas antes do julgamento para se certificar da verdade. Embora aquela moça fosse meio tonta quando era mais nova, soube que era melhor ver a verdade – a zelosa mãe de Rebeca suspirou e logo perguntou: - Filha, você falou sobre uma investigadora, não foi?
- Ninguém sabe exatamente quem ela é. Souberam somente que os pais da Ana Maria, atualmente bem providos de dinheiro, a contrataram para investigar. E deu nisso que nós vimos – respondeu a jovem.
- Ajuda também que o inspetor Aretaga é muito competente e fez bom uso das provas. Não foi como na primeira vez, em que aquela besta gorda chamada Quirino, com a falta de tato dele, estragou tudo – disse Teresa com nojo.
- Eu só queria ver a reação do filho ou da esposa dele se você falasse isso na frente deles – pensou Jazmín. Achou melhor não verbalizar, pois temia iniciar uma discussão grave. No entanto, era de conhecimento dos vizinhos que Teresa saíra algumas vezes com o filho do antigo inspetor, um rapaz de nome Matheus. E igualmente sabiam ou pelo menos desconfiavam que a modista frequentava a casa da família intencionando saber as ligações sociais deles. Ela admitia mesmo muito contrafeita que se preocupava com Teresa tanto quanto Rebeca. Aquela rapariga fazia cada plano louco. Perguntava-se como ela ainda não tinha se metido em problemas em razão disso. Admitia, porém: ela era muito inteligente.
- Acho que o Loyola vai levá-las. Me lembro de uma de vocês duas ligando para combinar horário. Pelo menos umas sete horas. Faltam cinco minutos – disse a senhora após a linha de pensamento.
- Ele já deve estar vindo. Conhecendo ele bem, não é costume dele se atrasar – Rebeca disse olhando o relógio da parede.
Como se o destino parecesse estar de bom humor naquela noite, uma buzina logo veio aos ouvidos de todas. Teresa olhou pela janela da pequena sala, mas não reconheceu o veículo. No entanto...
- Becca, o carro nos esperando não é do Loyola. Se eu me lembro, o ‘coche’ dele é cinza. Lá embaixo tem um conversível preto. E você não advinha quem está na direção – Teresa tentava manter o mesmo tom de voz, mas tremia por dentro.
- Não é o Loyola? – Jazmín foi à janela. Rebeca não pôde impedi-la. A senhora recuou assustada: - Filha, você conhece aquele rapaz do carro?! Ele se parece muito com o falecido Magaldi!
A jovem não pensou duas vezes em inventar: - Ele é um amigo do Loyola que trabalha com fornecimento. Foi ele quem trouxe uma leva de sementes de rosa colombiana há algum tempo. Eu só não entendo porque ele viria no lugar do meu amigo.
Teresa foi “no embalo” com um inesperado insight: - Sim, é o senhor Coviello. Loyola me disse uma vez que ele é um parente bem distante da falecida Voz Sentimental. E realmente, eles são idênticos. Inclusive me lembro de tê-lo visto no bonde quando voltamos da missa de sétimo dia, há uma semana. Eu também não entendo.
- Olhe, meninas, eu não quero dizer besteiras, mas a semelhança é assustadora! Até parece que Agustín Magaldi regressou da morte! – a mulher colocou a mão no peito respirando fundo. Não era um segredo os sérios problemas cardíacos da mãe da florista.
Rebeca e Teresa viram-se empalidecer com aquelas palavras. Por muita sorte, a maquiagem escondia muito bem a gravidade das expressões de ambas. A primeira disse ao ouvir uma buzinada mais alta: - Mamãe, acho melhor nós irmos. Conversamos quando eu chegar. Chame a dona Mirtes caso precise.
- Por favor, meninas, tomem cuidado! – exclamou Jazmín gravemente para depois despedir-se das duas.
Após descerem as escadas, respiraram aliviadas enquanto Magaldi, tamborilando as unhas no volante, olhou-as: - Por que a demora? A festa começa às oito. E o trânsito não parece dos mais convidativos, ainda mais com o tamanho da casa do anfitrião.
- E ‘usted’ ainda pergunta?! – as duas exclamaram ao mesmo tempo e em igual tom.
- Ofereci ajuda quando o Loyola se viu no meio de um compromisso inesperado com um amigo que nós dois temos em comum. Então, acabei vindo buscar vocês duas quando o camarada me disse que ia acompanhar o dono da floricultura em algo que não sei – respondeu ele no mesmo tom calmo.
- É a segunda vez que ele faz isso. A primeira foi quando ele viajou inesperadamente por uma semana me deixando em cargo da loja – comentou Rebeca entrando no banco de trás. Pensava naquela história anterior. Ainda estranhava aquele fato. Foi quando Magaldi disse: - Você vai comigo no banco do carona. Quero ser seu acompanhante.
Teresa abriu a boca em espanto: - Você tem... um convite?
- Todo e qualquer vampiro da “elite” tem acesso livre à casa de Don Rodolfo Soler. Ele gosta de estar cercado de semelhantes – respondeu ele enquanto a florista não acreditava no convite mesmo tendo-o aceitado...
- Você quer... dançar comigo na festa? Confesso que não esperava.
- Magaldi, por acaso ele também é... um... vampiro? – Teresa perguntava tampando um provável grito.
- Absolutamente – respondeu ele ajudando Rebeca a acomodar-se no banco do carona.
- Não posso... acreditar – a modista acomodou-se no banco de trás ainda estupefata com tal descoberta. Em seu interior misturavam-se muitos sentimentos.
- Ele é inofensivo, até onde Rufina me disse. Só espero que ele não fique todo feroz querendo dançar com vocês duas. Lindas como estão, até a minha mestra vai ficar com um pé atrás – riu o vampiro.
- Então a ‘señora’ Cambaceres também vai estar presente? Só espero que ela não leve aquele bicho de estimação gigante dela. Aquela coisa me assustou seriamente! – Rebeca estava claramente nervosa.
- Está falando do Valentín Gaytán? Ele não morde, só quando está transformado em lobo – respondeu ele rindo para o horror das amigas. Especialmente de Teresa, que ao ouvir os nomes “Rufina” e “Cambaceres”, quase soltou um grito de terror: - “A jovem morta duas vezes” que é uma vampira e um lobo?! Nem sei se...!
A modista interrompeu-se quando alguma coisa dentro dela disse-lhe para não agir idiotamente.
Teresa respirou fundo para acalmar-se. Recordou-se, de repente, das olhadelas marotas que Rodolfo dirigia-lhe quando aparecia na loja. Lembrou-se dos presentes caríssimos que recebia sempre no dia seguinte ao aparecimento dele. Nunca ligara as duas coisas, mas agora, parecia fazer sentido: ele provavelmente era o admirador secreto que lhe enviava joias. E vestidos importados diretamente do estúdio de Coco Chanel nas últimas duas vezes. Sempre com os mesmos bilhetes: “O brilho destas pedras não é comparável ao dos teus olhos.” ou “A maciez destes tecidos não faz jus à de tua pele.”, era o escrito nos casos. Obrigava-se a esconder tudo antes da mãe chegar do trabalho. Temia-a pensando que ela se prostituísse ou estivesse dormindo com algum ricaço, o que na opinião dela era a mesma coisa.
Ela por fim suspirou, não sabendo o que pensar ou fazer. Será que Rodolfo estava realmente apaixonado por ela ou aquilo tudo era só parte de um plano para seduzi-la e largá-la? Achou melhor esperar e ver o que aconteceria.
- Tudo bem, Teresa? – Rebeca percebeu a amiga muito quieta. Magaldi, por sua vez, assoviava “El unitario de San Miguel”. Um dos “pedidos musicais” da florista durante o trajeto. Evitava cantar por temer que algum transeunte reconhecesse sua voz.
- Apenas um pouco nervosa. Porque não perguntamos ao Magaldi se ele se alimentou antes de vir nos buscar – disse a modista dizendo a primeira coisa que lhe veio à mente.
- Sim, estou alimentado. “Comi” antes de sair de casa. Duvido, no entanto, que eu não beba alguma das “bebidas” refinadas de Don Rodolfo. Dizem que ele tem sangue dos mais raros guardados na adega dele – comentou Agustín já avistando a casa do famoso anfitrião.
- Desde que nós não sejamos o alimento, eu juro que me sentirei segura – Rebeca soltou a frase em um único fôlego.
- Da minha parte, esteja certa de que jamais irei atacá-la – disse ele sério, mas de repente sorriu: - Só se você quiser.
Magaldi tampou a boca com a mão livre, percebendo que havia dito algo muito indecente. A expressão ofendida dela deixava claro o quão furiosa ela estava...
- Me perdoe, por favor! Por alguma razão, eu às vezes tenho esses arroubos de galanteios vampirescos. Minha mestra disse que isso é algo normal para os vampiros.
A florista coçou levemente a têmpora: - Tente pelo menos guardar as palavras na sua língua. Eu não preciso dessa imagem de você tentando me morder.
Rebeca, porém, já tinha a imaginação tomada por aquela possível cena. Não sabia lidar com o fato de que seus pensamentos de repente tinham um conteúdo bem pouco adequado a uma moça bem criada. Respirou fundo na tentativa de acalmar a mente. Magaldi percebeu que ela ainda não havia se recuperado totalmente. Apertou o volante de vergonha...
- Por favor, me desculpa Rebeca.
- Tudo bem. Eu sei que tenho de me acostumar com os seus hábitos agora vampirescos – respondeu ela sorrindo com certo constrangimento. Embora por dentro se encontrasse abalada, pois nunca de fato o havia conhecido antes daquela noite. Sabia muito dele, mas não o suficiente para conhecê-lo bem como pessoa. Só conhecia aquilo que os jornais e revistas diziam. A pessoa ali ao seu lado agora era um bocado diferente do humano antes existente. Ou será que ele ainda era o mesmo? A jovem não sabia ao certo. Seu coração dizia uma coisa. O cérebro, outra.
Não demoraram cinco minutos para finalmente estacionarem na casa de Don Rodolfo Soler. O trio saiu do veículo e logo foi recebido por um dos seguranças do anfitrião: - Permitam-me estacionar o carro em um local mais seguro.
- Certo – Magaldi ofereceu uma gorjeta, mas a pessoa recusou educadamente e disse em seguida: - Os casacos de vocês serão bem guardados enquanto estiverem na festa.
- Obrigada – sorriu Teresa ao que a florista repetiu o gesto. Agustín, por sua vez, pediu à Rebeca que passasse a acompanhá-lo.
A jovem assentiu e enroscou delicadamente seu braço ao dele. Logo o casal agora formado e Teresa entraram na casa, sendo prontamente recebidos por Don Rodolfo...
- ‘Buenas noches’, pessoal. Espero que aproveitem amplamente a festa. ‘Señorita’ Teresa, você essa noite vai ter a honra de dançar comigo. É claramente a mais bonita da festa.
Não demorou sequer um minuto para que o trio de recém-chegados chamasse a atenção de uma sala inteira. A música ainda tocava, mas os convidados para ela não ligavam. Somente observavam as duas senhoritas e o homem elegantemente vestido acabando de entrar. A semelhança dele com o falecido Agustín Magaldi era enorme. E as jovens deixaram pelo menos um bom número de outras se sentindo despeitadas, pois estas queriam uma dança com Rodolfo. Quem sabe com o outro bonitão chegado. As mais velhas se perguntavam quem eram aquelas desconhecidas. Uma em especial, no entanto, já conhecia Teresa e achava Rebeca muito parecida com uma irmã do pai há anos desaparecido.
Ela, uma ruiva usando um vestido branco com detalhes pretos, achou melhor esperar algum tempo antes de conversar. Foi quando ouviu a conhecida voz de seu patrão: - Não é muito educado encarar, mesmo que indiretamente, as pessoas, Margot.
- Não esperava ver Teresa desgrudada de Doña Mariquita, Elijah. Muito menos a imaginei trazendo uma moça completamente desconhecida. Quer dizer, suponho que seja uma amiga dela, isso se ela tiver amigas, considerando... – ela dizia quando foi interrompida: - A aconselho a parar de julgar as pessoas baseada apenas no que você olha externamente. Imagino eu que elas são amigas de longa data. O modo como elas conversam mostra bem isso.
De fato, Rebeca e Teresa conversavam animadamente. Claramente, porém, a primeira só interagia com a amiga e o rapaz que a acompanhava. Tentava dizer algo a Don Rodolfo, mas não conseguia. Algo que mostrava quão deslocada ela estava apesar de possuir educação muito boa. E dela estar a chamar a atenção de vários rapazes, loucos para tirá-la para um bailado. No entanto, seu acompanhante não parecia disposto a deixar algum deles chegar menos de cinco passos. Ela, por sua vez, temia falar com estranhos. Foi quando Margot viu Elijah fazendo a mesma coisa que ela antes fazia, mas sendo bem mais discreto: - Você também o achou parecido?
- Com certeza – respondeu Elijah seriamente. Em verdade, ele tinha desconfiança séria sobre ele ser algo mais.
Passaram-se pelo menos noventa minutos do início da festa. Teresa e Rodolfo já se encontravam conversando e dançando alegremente, envoltos em seu próprio universo. Rebeca e Magaldi haviam dançado algumas músicas, mas o vampiro ausentou-se para alimentar-se. Não iria atacá-la de forma alguma. Sozinha, a florista aproximou-se da mesa de comidas para petiscar algo quando viu um homem servindo-se de vinho: - Professor Elijah Colman?
- De todas as pessoas que eu esperava me reconhecerem, uma bela senhorita não estava na lista – sorriu ele cordial.
- O senhor uma vez esteve dando uma palestra sobre lendas de mortos-vivos em um local onde estive com meu amigo e patrão. Tínhamos ido levar algumas flores para enfeitar o salão onde ia acontecer uma festa algumas horas depois – disse Rebeca surpresa. Lembrou-se daquilo porque estava justamente acompanhada de um deles.
- Você é a senhorita das flores! Nossa, vê-la arrumada desse jeito me confundiu. Você está linda, senhorita... – Colman constrangeu-se por não lembrar-se do nome quando alguém falou por trás dele: - Rebeca Tsekub, minha vizinha.
Ela não acreditou que Susana estava ali. Como raios ela havia conseguido um convite? Não a via desde o julgamento de Felipe. Os vizinhos seriamente pensaram que ela havia ido embora dado o fato dela não ser vista desde aquele dia. Perguntou: - Quem a convidou, Susana? Onde que você arrumou essas roupas e joias?
- Posso perguntar o mesmo de você. Acho, no entanto, que sei responder: obra da Teresa. Ela sempre dando um jeito de colocá-la nas encrencas onde se mete – a loira usando um traje cor de lápis lazuli olhou-a com desprezo.
- O convite era para Doña Mariquita na certa, mas como ela não quis vir, permitiu a Teresa levar outra pessoa. Não vejo nada de mal nisso, senhorita – a voz de Margot surgiu da esquerda, para a surpresa de Elijah. E logo disse: - Estou quase certa de que o convite dessa Susana foi dado por aquele pintor tísico para quem ela costuma posar.
- Estou surpresa que sabe disso, senhorita Margot – Susana nada feliz estava com aquele comentário.
- Considerando que o pobre vive se gabando de estar pintando a mais bela das criaturas e que a descrição bate com a sua aparência, não foi difícil deduzir – respondeu a ruiva com sentimento recíproco.
- Nisso tenho de dar razão à minha secretária. Realmente você bate com o que o velho Éson disse. O seu rosto, porém, não aparece em nenhuma das pinturas. Presumo, então, que você é modelo física – disse o professor observando-a cuidadosamente. Algo nela despertava-lhe um alerta vermelho como o sangue. Ele, porém, não entendia a razão disso.
Rebeca de repente lembrou-se de que sua vizinha sempre estava com dinheiro embora não trabalhasse. Coisa da qual a vizinhança falava o tempo inteiro. Será que o tal pintor ao qual Margot se referia era quem pagava? Até onde ela sabia, pintores não eram cheios do dinheiro, apenas se fossem conhecidos. Talvez a pessoa fosse rica e pintasse por hobby, o que não era incomum. Afinal, gente endinheirada não costumava ter muito que fazer na maior parte do tempo. Exceto quando realmente trabalhavam. Disse por fim: - É um emprego bastante interessante a despeito da frequência com que você vai.
- Se isso que ela faz pode ser chamado disso, até eu poderia, mas prefiro ser honesta e decente – disse Teresa, vindo com Rodolfo.
- Logicamente você está bem longe disso, ‘señorita’ Rosas – replicou Susana ao que a florista olhou-a muito séria:
- Não fale com minha amiga deste modo. Lembre-se que você só escapou de ser presa porque não puderam provar seu envolvimento nas tramoias do Felipe. Todo mundo sabe, no entanto, que inteligência não era o forte do seu irmão, o que automaticamente te complica.
- Você disse bem, Rebeca, não há provas. E você acha mesmo que eu era a “mente criminosa” da gangue dele? Você anda lendo Sherlock Holmes demais e agora está pensando que sou o Professor Moriarty. Francamente, você é mais inteligente que isso, por favor! Se Felipe fez tudo aquilo, foi por vontade própria. Nunca tive nada com isso. Inclusive eu esperava que o casamento dele com a Marisa colocasse algum juízo nele, mas, ele... cometeu aquele crime. E do resto você sabe – disse ela com firmeza. E algo de tristeza. De fato, a florista era fã de Conan Doyle. Inclusive ficava “no vermelho” financeiramente porque comprava as músicas de Magaldi e os livros do autor no mesmo mês.
- Senhoritas, eu peço encarecidamente: sem brigas em minha casa, está bem? Eu compreendo os sentimentos e sei o que aconteceu, mas acho que o passado deve ficar para trás. Cada um de nós deve seguir a vida da maneira como achar certo. A vida é curta e boa demais para ser desperdiçada com brigas e discussões que não levarão a lugar algum – Rodolfo sorriu largamente. Rebeca e Teresa trocaram um olhar muito significativo, como se dissessem: “Olha quem falando”.
Magaldi havia regressado do “comedouro de vampiros” da casa. Tinha ouvido a conversa sem aproximar-se. Estava absolutamente certo de que aquela loira gélida estava planejando algo contra sua amada. Se aquela mulher tentasse... Só Deus sabe de quais coisas ele seria capaz. Protegeria Rebeca não importasse o que e como. Felipe tinha merecido o castigo e nada e nem ninguém diria o contrário, muito menos aquela ‘rubia’ infernal. Enfim, juntou-se ao grupo:
- Algo está acontecendo? Parece que há uma discussão aqui.
- Nada com o que se preocupar, senhor Coviello – respondeu Rodolfo cordialmente. No entanto, Magaldi teve a certeza do vampiro anfitrião ter a mesma desconfiança, dado o modo como olhava a loira.
- Tudo bem, mas já vou deixar muito bem avisado: toque apenas um fio de cabelo dela e a senhorita vai saber muito dolorosamente o peso da minha mão – Agustín olhou Susana com tal intensidade que assustou aos ali próximos.
A loira respondeu séria: - Acha mesmo que pretendo agir contra a senhorita Tsekub? O senhor está louco.
- Pode ser que eu esteja, mas, não gosto de você nem um pouco – respondeu ele igualmente sério.
- Então o senhor tem mau gosto, dado com quem você veio – replicou ela venenosamente. A florista, por sua vez, nada disse. Não se rebaixaria ao nível daquela mulherzinha.
- Agora sou eu quem dirá: não fale assim da minha amiga, sua cobra – Teresa estava pronta para descer uma bofetada bem dada na detestável vizinha. Rodolfo, no entanto, segurou sua impetuosa acompanhante: - Acalme-se, deixe que eu lido com ela.
Soler disse em seguida: - A senhorita, por favor, tenha a bondade de retirar-se de minha casa e não mais colocar os pés aqui. Deixe que com o Éson eu me entendo depois. Já vi o seu tipo uma vez. Não tenho boas lembranças dele.
Susana retirou-se sem nem ao menos piscar ou se despedir. Percebeu, muito contrafeita, que sua nojenta vizinha tinha indiretamente feito amigos. Que droga! Pensou ela enquanto saía da casa após pegar o casaco que viera junto com o vestido dado por seu “patrão”. Logo, todavia, pensou em uma forma melhor de vingar-se de Rebeca. Aquela miserável não perdia por esperar.
Rodolfo Soler, por sua vez, tinha dito aquela última frase com pontas de raiva na voz. Susana era exatamente igual a vampira que o convertera há mais de trezentos anos. O tipo que se vingaria a qualquer preço quando soubesse que o mundo não girava na volta de seu umbigo. Estava mais do que certo sobre o caráter podre daquela humana. E com mais certeza ainda de ter algo errado com ela. Não podia adivinhar, mas sentia algo horrivelmente maligno exalando daquele ser. O odor era um verdadeiro asco. Nenhum vampiro com bom juízo iria querer o sangue daquela vadia loira.
- Tudo bem, Rodolfo? – Teresa percebeu-o olhando vagamente.
- Elijah, nós precisamos conversar. Tenho uma dúvida, mas não posso perguntá-la aqui. Vá para o “comedouro” da sala de visitas que eu o encontro lá daqui a pouco – Soler parecia ignorar a jovem, mas olhou-a como se dissesse: eles conversariam depois.
Colman, percebendo que apenas ele era o alvo da conversa, pediu a Margot que ficasse na sala. Magaldi e Rebeca haviam logo entendido o recado. Acharam melhor continuar se divertindo. Conhecendo-se melhor. Teresa, por sua vez, a todo o custo escondia sua curiosidade. Achava melhor tomar cuidado com os passos que daria a partir daquele momento. Cada movimento podia ser o último e ela bem o sabia. Aliás, os quatro, ao seu modo, sabiam disso como ninguém.
E aquela terceira noite espantosa seguiu com incomum alegria. O dia seguinte? Não se previa.

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Re: De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 26º conto

Mensagem por Tatuador »

Prezada Lady. Parabéns pela conclusão da terceira parte da Tetralogia. Um trabalho inspirado desde a sua origem e que certamente manterá o interesse do leitor até as últimas linhas. Assim que for possível farei a leitura do texto. :Y Mais uma vez meus parabéns ! :Y

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Re: De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 26º conto

Mensagem por RurouniAndre »

Que venha el gran final!
:D :D :D

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Re: De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 26º conto

Mensagem por Lady Carmilla DWFan »

O quarto conto reserva muitas surpresas! Mas um certo segredo vai ficar pra bem depois e uma aparição muito especial acontece perto do final.

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Re: De vampiros portenhos e sonhos escabrosos: 26º conto

Mensagem por fromking »

Lady Carmilla DWFan escreveu:O quarto conto reserva muitas surpresas! Mas um certo segredo vai ficar pra bem depois e uma aparição muito especial acontece perto do final.
Aguardaremos ansiosos, Lady Carmilla DWFan ou, se
preferir, Lady Trotsky ou, ainda, a querida amiga dos
pampas, Lady Cezimbra.

:mrgreen:
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